Acordo UE-Mercosul está quase pronto e deve sair nesta sexta, diz Uruguai
O chanceler do Uruguai, Omar Paganini, afirmou na tarde desta quinta-feira (5) que o acordo com a União Europeia está praticamente pronto. “Faltam detalhes, amanhã devemos dar a boa notícia.”
O ministro falava minutos após o fim de uma reunião da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, com o presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, na sede do Executivo local.
Montevidéu sedia a cúpula de líderes do Mercosul, e a alemã chegou à capital na manhã desta quinta-feira após suspense sobre sua agenda. No começo da semana, porta-vozes da presidente disseram à reportagem que a viagem não estava na programação, e sua agenda tampouco mostrava outros compromissos para os dias da cúpula sul-americana
A presença da presidente da Comissão Europeia seria sinal inequívoco de que o tratado de livre comércio entre o bloco sul-americano e a União Europeia está prestes a sair do papel.
Von der Leyen é defensora do acordo, assim como Alemanha, Espanha, Portugal, Suécia e outros países do bloco. Opõem-se ao tratado a França, maior produtor agrícola da Europa, e países como Polônia, Áustria e Holanda, onde o veto é bandeira da direita e da extrema direita.
A grave crise política na França era levada em consideração, de acordo com analistas, e talvez por isso a presença da UE no Uruguai foi anunciada apenas após a queda do primeiro-ministro, Michel Barnier.
Indagada em entrevista coletiva sobre a questão, assessora da Comissão Europeia afirmou que “é normal a presidente fazer consulta a líderes, sobre os diversos assuntos”, mas que ela não poderia confirmar se Von der Leyen havia conversado com o Palácio do Eliseu.
O governo francês sanou a dúvida em publicação no X. “O projeto de acordo entre a UE e o Mercosul é inaceitável tal como está” e isso foi repetido por Emmanuel Macron a Von der Leyen nesta quinta.
Jornalistas também questionaram a razão do mistério sobre a agenda da presidente, fato minimizado pela assessora.
À imprensa, o chanceler do Uruguai afirmou que o texto final do acordo poderá ser fechado nesta sexta, e os líderes poderão dar a decisão final. “Depois há um processo de revisão que leva tempo”, seguiu Paganini à imprensa. O valor do acordo é econômico e também político, em um mundo cada vez mais fragmentado.”, disse ele.
Mais cedo, o atual ponto de tensão no Mercosul, a Argentina de Javier Milei, se posicionou sobre o tema, mas diminuindo a importância do acordo e colocando uma espécie de moeda de troca.
O chanceler argentino, Gerardo Werthein, manifestou que apoia o acordo de livre-comércio do bloco com a UE, mas quer em troca uma maior flexibilização do grupo sul-americano.
“Para nós, esse acordo [com a UE] não é determinante, mas a Argentina privilegia o interesse de todos os sócios, ainda que isso contenha certas coisas que não nos contemplam”, disse o chanceler argentino, em uma reunião fechada com seus pares.
“Por isso também queremos que olhem as necessidades argentinas, e por isso nos parece muito relevante uma maior flexibilidade na agenda externa para acordos”, seguiu ele, que recém-assumiu o cargo após a saída da antiga chanceler, a economista Diana Mondino.
O governo Milei tem pleiteado abertura do bloco para que os países possam fazer acordos de livre-comércio por fora. Quando Donald Trump foi eleito nos Estados Unidos, Milei, seu admirador, disse que deseja buscar um acordo de livre-comércio com Washington.
“Na Argentina, precisamos importar mais, e importar em condições competitivas, o Mercosul não pode ser como um espartilho para países que, como nós, necessitam dar às pessoas uma saída para a pobreza. O mercado externo é fundamental.”
A taxa de pobreza na Argentina se aproximou de 53% no início do governo Milei, que nos próximos dias completa um ano de gestão. Werthein afirmou que o governo tem avançado no combate à desigualdade social.
A posição argentina faz brilhar os olhos de Luis Lacalle Pou, o presidente do Uruguai que pleiteou abertura para acordos em busca de um mercado comum com a China e viu forte oposição do Brasil.
Mas esta é a última cúpula do centro-direitista, e o aceno de Milei, alguém com quem Lacalle teve relação pragmática mas demonstra fortes discordâncias, não deve ter respaldo de Montevidéu.
“Depois de fechado o acordo [em 2019, quando o processo foi travado devido à agenda negacionista do governo Bolsonaro], a UE exigiu um termo adicional ambiental [a chamada side letter] sem consultar o Mercosul, o que gerou tensões e exigiu firmeza da nossa parte. Deu certo”, disse também nesta quinta o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), um dos vice-presidentes do Parlamento do Mercosul.
Espera-se que o anúncio seja feito às 10h de Brasília desta sexta-feira. O documento é gestado há mais de duas décadas e criaria um mercado de 750 milhões de pessoas, responsável por um quinto do comércio global.
A ratificação do tratado em Bruxelas é o próximo capítulo complexo da novela. Envolveria a revisão técnica e a votação do documento no Parlamento europeu, nos parlamentos de cada país-membro da UE e nos Legislativos dos sul-americanos. Uma propalada saída seria separar a parte política da comercial. Esta poderia ser aprovada por maioria simples no Parlamento Europeu, sem outros requisitos.
Para evitar a manobra, os franceses teriam que garantir a adesão de ao menos quatro nações a uma dissidência no Conselho de Ministros, o que já existe, e o correspondente a 35% da população europeia, conta que só fecharia com a adesão de um país do porte da Itália. A Comissão tem mandato para negociar tratados comerciais, mas é o Conselho, formado por representantes de cada um dos 27 países-membros, que os avaliza.
Até aqui, a premiê Giorgia Meloni, à frente do terceiro maior exportador da UE para o Mercosul, não estabeleceu uma posição firme sobre participar ou não do grupo de oposição. A economia italiana não foge à regra do continente e também patina neste ano.
O acordo interessa especialmente à Alemanha, que lidera a lista de exportadores do continente. O país, que convive com greves e anúncios de cortes em grandes indústrias há semanas, almeja a redução tarifária para seus carros e produtos químicos. Pelas regras do tratado, 91% dos artigos comercializados ficarão isentos.
A maior parte do que chega à Europa vinda do Mercosul, 32,4%, são alimentos, justamente a preocupação francesa. O tratado prevê cotas de importação, e a parte com tarifa mais baixa corresponde a menos de 2% do consumo europeu. Ainda assim, a França teme uma inundação de produtos mais baratos, como a carne brasileira. A Irlanda, quinto maior produtor mundial, também vê esse aspecto do acordo com preocupação.
Mesmo antes de a Comissão Europeia se pronunciar sobre o tema, fazendeiros franceses já haviam marcado a volta dos tratores às ruas e estradas do país para a próxima segunda-feira (9). As manifestações devem se espalhar por outros países do bloco agora.
O Greenpeace Brasil, em comunicado, declarou que o acordo, se celebrado, “será péssimo para o clima global por comprometer os esforços dos países no enfrentamento à emergência climática e à transição justa”. “Precisamos de acordos comerciais que estimulem a cooperação entre os países, a adoção de novas tecnologias, a transição justa e que apoiem o desenvolvimento das economias e a geração de empregos qualificados no Sul Global.”
fonte: folhapress