Agricultores bloquearam diversas vias em Bruxelas, com protesto
Centenas de tratores de agricultores europeus em protesto contra diversas medidas de caráter nacional e regional consideradas prejudiciais pelos trabalhadores do setor. Os manifestantes bloquearam diversas vias em Bruxelas e foram reprimidos pela política local. Além dos atos na cidade, durante essa semana os agricultores buscaram interromper a atividade em grandes portos e outros núcleos econômicos na Bélgica, França, Itália, Espanha, Alemanha e Portugal.
A mobilização na Praça de Luxemburgo foi convocada por entidades rurais europeias e também pela coordenação regional da Via Campesina, que classifica as políticas neoliberais da Europa como as principais responsáveis pelo sofrimento dos agricultores. “Parar imediatamente o tratado entre Mecosul e UE e suspender os TLC’s [tratados de livre comércio] da agricultura”, exigiu a organização em comunicado.
A Via Campesina também aponta os acordos de livre comércio, a desregulação dos mercados, as subvenções do plano europeu de apoio aos agricultores “que se distribuem de uma forma totalmente injusta”, os mercados de carbono e “a falta de visão global para uma transição até modelos de agricultura mais sustentáveis”.
Em outro comunicado, publicado de forma conjunta pelas coordenações da Via Campesina na Europa e da América Latina na terça-feira (30), o movimento classifica o tratado entre Mercosul e UE como “antidemocrático e violador dos direitos dos camponeses e dos compromissos climáticos”, e destaca que o tratado se baseia em um “paradigma obsoleto em que os produtos agrícolas são tratados como qualquer outra mercadoria, sem ter em conta dos direitos humanos, as crises climáticas e da biodiversidade, a soberania alimentar e os direitos dos produtores de alimentos a rendimentos justos”.
A entidade afirma que a mercantilização da terra, da água e das sementes conduzem ao empobrecimento da população rural e alerta para o papel das corporações que controlam progressivamente os sistemas alimentares e “só conseguem ser competitivas por estarem fortemente subvencionadas pelo dinheiro público e porque não são obrigadas a pagar os custos sanitários, ambientais e sociais do seu modelo de produção industrial”.
Macron tenta impedir acordo
Em sua chegada à Bruxelas nesta quinta, o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, disse que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, “não pode ser ratificado em sua forma atual” em um aceno à posição manifestada pelo presidente francês Emmanuel Macron, cujo governo tem se movimentado para que o bloco europeu renuncie ao acordo.
Segundo reportagem do jornalista Jamil Chade publicada pelo UOL, o presidente francês teria enviado uma mensagem para a chefe da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen no último final de semana, dizendo que não aceitará o acordo sob a alegação de que a suposta invasão de alimentos exportados pela América do Sul colocaria em risco os agricultores franceses. A posição mais incisiva de Macron veio no momento em que o executivo da União Europeia aceitou as condições colocadas pelo Brasil em relação ao acordo, que haviam sido anteriormente negadas.
Entre as principais propotas do governo brasileiro apresentadas pelo Itamaraty estão a exclusão do SUS de qualquer abertura de mercados para a participação dos europeus e em licitações públicas e a criação de uma margem de preferências para empresas brasileiras em licitações públicas, atendendo aos objetivos da nova política industrial do governo.
Quais os problemas do acordo?
Paulo Nogueira Batista Jr, ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, do Brics, publicou no Brasil de Fato um artigo sobre o acordo Mercosul-UE. Nele, ele diz que os problemas são tantos que seriam necessárias 50 páginas para descrevê-los. Contudo, cita cinco exemplos de como o texto é errático:
1) Segundo Batista Jr, os europeus obteriam acesso livre a nossos mercados industriais com o acordo, mas fazem poucas concessões nas áreas em que países do Mercosul são competitivos. O acordo reduz a zero o imposto de importação de mais de 90% do comércio de bens. Acontece que, no Brasil, o imposto para importação de bens industrializados é 15,2%; na União Europeia, 1,8%. “Ou seja, a redução para zero do nosso lado é importante vantagem para os europeus, mas do lado deles a diminuição é residual, insuficiente para que o Brasil possa exportar bens industriais.”
2) O acordo proíbe a cobrança de imposto de exportação, o qual é permitido pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo Batista Jr, se bem calibrado, esse imposto pode contribuir com investimentos na agregação de valor a commodities agrícolas e minerais. “É o que fazem a China e a Indonésia, entre outros países”, disse.
3) Batista Jr. ressalta que o acordo proíbe que empresas estatais atuem em políticas públicas de preços de produtos e de compras de produtos locais. Isso, por exemplo, afetaria políticas de desenvolvimento e os programas de capacitação de fornecedores utilizados pela Petrobras. A Argentina, lembra ele, excluiu diversas estatais estratégicas do alcance do acordo. O Brasil não excluiu nenhuma.
4) O acordo enfraquece a agricultura familiar brasileira, uma vez que liberaliza quase completamente o comércio do que é produzido por ela, escreveu Batista Jr. “Os nossos agricultores familiares ficariam ameaçados pelas importações de europeus produzidos com subsídios elevados.”
5) O agronegócio ganha pouco ou nada com o acordo, uma vez que o setor agrícola continuaria administrado por cotas. Ele informa que as cotas ou são insuficientes (inferiores às exportações atuais do Mercosul para a UE), ou “fictícias” (para produtos nos quais a competitividade do produto europeu dificilmente abre espaço para exportações sul-americanas) ou “inofensivas” (para produtos que já não enfrentam barreiras na UE).