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Bactérias sobrevivem no solo do deserto do Atacama há milhões de anos

O deserto do Atacama, no Chile, é tão seco que chega a ser comparado ao planeta Marte, mas alguns micro-organismos podem estar sobrevivendo há milhões de anos alguns metros abaixo de sua superfície inóspita, indica um novo estudo.

As bactérias extremamente resistentes, identificadas por cientistas da Alemanha e do Chile, talvez estejam arrancando moléculas de água do mineral gipsita (também conhecida como “pedra de gesso”, por ser a matéria-prima do gesso usado comercialmente). Para os pesquisadores, trata-se de uma descoberta importante tanto para a biodiversidade microbiana da Terra quanto para a possibilidade de que organismos assim existam em ambientes semelhantes de outros planetas.

O trabalho, que acaba de sair na revista científica PNAS Nexus, foi coordenado por Dirk Wagner, do Centro Alemão de Pesquisa em Geociências. O trabalho também é assinado por Pedro Zamorano, do Laboratório de Micro-organismos Extremófilos da Universidade de Antofagasta, no Chile, além de outros cientistas.

Os extremófilos, organismos que emprestam seu nome ao laboratório de Zamorano, são justamente aqueles adaptados às condições mais duras presentes nos ambientes da Terra, o que pode incluir temperaturas muito altas ou muito baixas, elevado teor de sais (letal para a maioria dos seres vivos), acidez intensa ou mesmo altos níveis de radiação.

A região estudada pela equipe de pesquisadores fica no vale de Yungay e é considerada “hiper-árida”, tendo recebido apenas 2,3 mm de chuva ao longo de um período de quatro anos (pouco mais de um milésimo da chuva que cai num único ano no município de São Paulo). Eles obtiveram amostras de uma das chamadas “playas” (equivalente à palavra “praia” em português). São trechos do deserto onde costumam se formar pequenos charcos temporários quando chove um pouco e que se caracterizam pela presença de argila na superfície.

Como é muito difícil cultivar diretamente os micróbios que vivem num ambiente tão extremo, os pesquisadores decidiram se concentrar na obtenção de DNA dos micro-organismos. Para conseguir extrair material genético de bactérias vivas, e não só fragmentos de DNA de micróbios que já morreram, eles usaram um filtro especial pelo qual passaram os sedimentos do deserto. Era como se fosse uma peneira ou rede com “malha” pequena o suficiente para capturar células, mas grande demais para segurar apenas o DNA “solto”.

O resultado dessa pescaria de genes foi surpreendente. Primeiro, nas camadas do solo mais próximas da superfície (até 2 m de profundidade), os autores do estudo identificaram bactérias que já tinham aparecido em outros estudos sobre a vida microbiana do Atacama, e cuja diversidade e abundância ia diminuindo conforme eles desciam mais fundo. É o esperado considerando que, após certa profundidade, a pouca água que se infiltra naquele solo não consegue descer mais.

Mais abaixo, porém, a situação se inverte, e a presença de bactérias começa a aumentar, até chegar a um nível relativamente estável a profundidades de cerca de quatro metros. A hipótese dos pesquisadores é que a alta presença de gipsita (a matéria-prima do gesso) nessas camadas mais fundas seja a chave para a sobrevivência dos micróbios.

Eles seriam capazes, por exemplo, de se proteger dos piores rigores do clima graças à estrutura do mineral. Além disso, a fórmula química da gipsita é CaSO4·2H2O (sulfato de cálcio hidratado), e o H2O não está ali à toa -há água na composição do mineral. A equipe propõe que os micróbios podem ter passado a extrair o precioso líquido da “pedra de gesso”, além de usar outros elementos químicos para sintetizar seu próprio alimento, de forma análoga às plantas, mas sem a ajuda da luz.

O interessante, observam os cientistas, é que solos com essa presença de gipsita também existem em Marte, o que significa que não se pode descartar que micróbios marcianos sejam capazes de realizar o mesmo truque.

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