Carta pela Democracia’ passa de 300 mil adesões, entre sindicatos e bancos
O manifesto publicado na terça por juristas e pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) em defesa da democracia já tinha mais de 300 mil assinaturas até as 16h desta quinta-feira (28). Entre empresários, associações que reúnem bancos e porta-vozes do setor industrial, as oito maiores centrais sindicais do país aderiram hoje à intitulada “Carta pela Democracia”: CUT, Força Sindical, UGT, CTB, NCST, CSB, Pública e Intersindical Central da Classe Trabalhadora. O texto também é assinado por ex-ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), artistas e economistas.
As 100 mil primeiras assinaturas foram atingidas em 24 horas após a publicação do manifesto, que é inspirado em uma Carta pela Democracia de 1977, na época um texto de repúdio ao regime militar redigido pelo jurista Goffredo Silva Telles. “A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: ‘Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição'”, diz um trecho da carta, que faz alusão à confiabilidade no sistema de urnas eletrônicas — alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O manifesto não cita o governo federal e nenhuma sigla que tenha representantes concorrendo nas eleições de 2022. Segundo o colunista Tales Faria, do UOL, os organizadores da campanha de Bolsonaro estariam alarmados com a repercussão do manifesto, já que nomes do empresariado constam entre os signatários do documento.
“Ela é um ponto de inflexão na campanha, pois mostrou que, se em 2018 a elite chegou a apoiar Bolsonaro, dessa vez não tem conversa. Ele agrediu a democracia e a elite brasileira largou o Bolsonaro”, disse o jornalista durante participação no UOL News desta quinta-feira.
Ontem, Bolsonaro disse que não precisa de nenhuma “cartinha” para expor respeito aos valores democráticos e que quer, “cada vez mais, cumprir e respeitar a Constituição”. Hoje, a apoiadores, Bolsonaro alegou que os signatários seriam empresas incomodadas com ações do governo, como a criação do Pix.
“Você pode ver esse negócio de carta aos brasileiros, democracia… Os banqueiros estão patrocinando. É o Pix, que eu dei na… Uma paulada neles… Os bancos digitais também, que nós facilitamos. Estamos acabando com o monopólio dos bancos. Eles estão perdendo poder. Carta pela democracia? Qual é a ameaça que eu estou oferecendo para a democracia?”, disse o presidente a fãs e militantes que o aguardavam na saída do Palácio da Alvorada.
É possível assinar a carta após preencher um formulário feito pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), sendo necessário consentir com um termo para o tratamento de dados elaborado pelos organizadores.
Leia a íntegra da ‘Carta pela Democracia’
Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais. Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal. Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular. A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição “.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral. Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude. Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos. Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições. Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão. Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!
Fonte: UOL