Economia

Com renda curta e crédito ruim, brasileiro volta às dívidas após Desenrola

Foto: Divulgação/Doucefleur/iStock

Os índices de endividamento e inadimplência do brasileiro voltaram a subir nos últimos meses – e a tendência é que continuem aumentando. Isso mesmo após o Desenrola, programa lançado pelo governo para renegociação de dívidas que operou entre 2023 e 2024. O cenário se explica por uma série de fatores, que incluem inflação, juros altos, baixa qualidade do crédito oferecido e pouca educação financeira.

Expectativa é de maior comprometimento da renda com dívidas nos próximos meses. Isso porque os juros devem continuar em patamar elevado, o que impacta na fatia da renda comprometida com dívidas, dizem os economistas. “Estamos preocupados com a qualidade do endividamento das famílias e acreditamos que teremos um ano desafiador”, diz Tavares, da CNC.

Impacto do consignado privado ainda é incerto. Segundo os economistas, o programa Crédito do Trabalhador, que oferece crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada, deve ter um efeito limitado na redução da inadimplência. Isso porque, por enquanto, as condições oferecidas na modalidade não têm sido tão vantajosas, diz Tavares. “Em muitos casos, os juros ofertados são elevados”, diz.

Há dúvida se o programa será de fato usado para substituir dívidas. Outro ponto é que não está claro ainda se a modalidade será usada para substituir dívidas mais caras, ou se significará apenas mais endividamento, diz Gonzalez, da FGV.

Entenda

Endividamento voltou a subir desde o final do ano passado. O número de famílias endividadas saiu de 76,7% em dezembro de 2024 para 77,6% em abril de 2025, segundo dados da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), pesquisa divulgada mensalmente pela CNC (Confederação Nacional do Comércio).

Mais famílias estão com dívidas atrasadas. O número de famílias com dívidas em atraso voltou a subir e ficou em 29,1% em abril, ante 28,6% em fevereiro de 2025. A proporção de famílias que disseram que não terão condições de pagar dívidas em atraso também subiu. Após chegar a 13% em dezembro de 2024, começou a cair, mas entre março e abril subiu de 12,2% para 12,4%, conforme a pesquisa da CNC.

A fatia da renda comprometida com dívidas subiu. Dados do Banco Central mostram ainda que o comprometimento da renda do brasileiro com dívidas chegou a 27,2% em fevereiro, o maior nível desde julho de 2023, mês do lançamento do programa Desenrola Brasil.

Desenrola

Desenrola chegou em pico de inadimplência no país. O Desenrola operou entre julho de 2023 e maio de 2024 e tinha como objetivo combater a crise de inadimplência provocada pela pandemia da covid-19. Em 2019, antes da pandemia, o índice de famílias inadimplentes era de 24%. Em 2023, o indicador chegou a bater os 30%, conforme os dados da CNC. Alguns meses após o lançamento do Desenrola, o índice passou a cair e chegou a 28,1% em fevereiro de 2024.

O programa ajudou a reduzir a inadimplência entre pessoas com renda de até dois salários mínimos. Pelo programa, pessoas com dívidas em atraso puderam renegociar os valores, com desconto e parcelamento. Conforme balanço do governo federal, o programa reduziu em 8,7% a inadimplência entre pessoas nessa faixa de renda, ou inscritas no CadÚnico.

Mas efeitos do Desenrola já foram neutralizados por novas dívidas. “De lá para cá tanta coisa aconteceu, que boa parte do Desenrola acabou não sendo percebida. O alívio foi consumido em novas dívidas que se tornaram inadimplentes novamente”, diz Felipe Tavares, economista-chefe da CNC.

Programa não atacou problemas que levam ao superendividamento do brasileiro. “O Desenrola foi um programa de alívio financeiro temporário. Não foi um programa ruim, mas a função dele não era atacar pontos mais estruturais ou melhorar a qualidade do crédito”, diz Lauro Gonzalez, professor da FGV/Eaesp e coordenador do FGVcemif (Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira).

O que explica o superendividamento

Inflação e juros altos corroem a renda do brasileiro, que já é apertada. A inflação consome a renda de forma silenciosa e faz com que a família precise de crédito ao se deparar com algum imprevisto. Com os juros mais altos, o empréstimo pesa mais, diz Tavares, da CNC. “Chega uma hora que toda a renda foi muito corroída. A família precisa fazer escolhas e deixa de cumprir uma obrigação”, afirma.

Faltam educação financeira e bons produtos de crédito. Além dos fatores econômicos, a falta de educação financeira da população e a baixa qualidade dos produtos de crédito oferecidos no mercado também agravam a situação, diz Gonzalez, da FGV.

“Há muita oferta de crédito ruim, com taxas muito elevadas e crédito que muitas vezes as pessoas não precisam. Existe uma responsabilidade individual, mas também existe um modelo que é uma verdadeira fábrica de superendividados.” – Lauro Gonzalez, professor da FGV/Eaesp e coordenador do FGVcemif (Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira).

Uma melhoria importante seria criar limites para comprometimento de renda com dívidas. Gonzalez sugere que se considere limitar o comprometimento de renda com empréstimos, da mesma forma que ocorre hoje com o consignado. “Hoje é possível comprometer tudo, e tem muita gente nessa situação”, diz. O professor lembra inclusive que o limite de comprometimento de renda para o crédito consignado aumentou nos últimos anos – foi de 30% para 45%, o que contribui para o endividamento.

fonte: uol

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