Conflito entre polícias de São Paulo que envolve a possível mudança de registro de ocorrências
Desde a última semana, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tenta apaziguar os ânimos de policiais civis e entidades de classe, que reagiram a uma possível mudança no registro do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), que atualmente é elaborado pela corporação, e passaria a ser responsabilidade da Polícia Militar.
Após as reclamações e a crise, até então negada pelo governo, um grupo de trabalho foi criado para estudar, durante os próximos 45 dias a viabilidade da implantação do TCO pela Polícia Militar e o boletim de ocorrência único, antiga demanda da Polícia Civil.
Especialistas e representantes das classes que permeiam o tema para entender como funciona a elaboração do TCO e o que as mudanças poderiam acarretar na prática.
Atualmente, a Polícia Civil de São Paulo é a organização responsável por elaborar o TCO, que nada mais é do que um registro de ocorrência relativa a infrações de menor potencial ofensivos, com penas máximas de até dois anos.
O registro é feito em uma delegacia da área dos fatos depois que equipes da Polícia Militar atendem o chamado via 190 (ou presenciam a ocorrência) e acompanham os envolvidos até a elaboração do documento.
Depois do registro, a documentação é encaminhada aos Juizados Especiais Criminais (Jecrim) para audiência e resolução.
Mudança de atribuição
A documentação que tiraria a atribuição da Polícia Civil ainda está em trâmites iniciais. Em linhas gerais, a minuta diz que um policial militar passaria a registrar os crimes de menor potencial ofensivo no local da ocorrência, sem a necessidade de ir até uma delegacia.
Nesse formato, as informações seriam transmitidas diretamente aos Juizados Especiais Criminais, sem a presença da polícia judiciária. Segundo fontes consultadas, no caso de aprovada, a modalidade será colocada em prática já em dezembro deste ano.
De acordo com o cronograma da proposta de mudança da elaboração do TCO que, neste momento, tramita nos gabinetes do governo do estado e da Secretaria de Segurança Pública (SSP), ainda há diversas etapas a serem cumpridas.
Caso seja aprovada na SSP, a documentação é devolvida ao palácio do governo, que em tese faz uma nova avaliação. Estando de acordo com os termos, o governador pode assinar para dar prosseguimento no processo.
Em uma terceira etapa – e no caso de seguir o rito sem intercorrências – a documentação segue para o Tribunal de Justiça, que faz uma nova avaliação. Somente depois dessa possível aprovação, é que um convênio seria assinado juntamente com o governo do estado e representantes da SSP.
Posições divergentes
De acordo com o coronel da reserva e advogado Frederico Afonso, que também é membro permanente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, a mudança no registro significa um ganho de tempo e também economia de verbas públicas.
Ele ressalta que com a mudança, não haveria a necessidade de deslocamento de uma viatura da PM até a delegacia e que a elaboração do Termo Circunstanciado já seria feita no local da ocorrência e enviada ao juizado.
“Para a PM, a importância maior é ter uma viatura no local dos fatos que já registra a ocorrência, de forma que não tenha o afastamento desnecessário da área de atuação. O cenário também aumenta o policiamento ostensivo”, explica.
Por outro lado, representantes da Polícia Civil, entre eles, o deputado federal Delegado Palumbo (MDB), criticaram o cenário chamando a situação de “usurpação” e “equívoco”, segundo publicação do Sindicato dos delegados de Polícia de São Paulo.
“Quantas chamadas do telefone 190 deixam de ser atendidas, atualmente? Milhares. A população liga no 190, não vai viatura, não vai ninguém. E vão colocar a PM para fazer Tcs?”, teria questionado o parlamentar.
O delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Artur José Dian, também reagiu e disse em um vídeo publicado nas redes sociais que o registro das ocorrências não dá o direito de investigação.
“Referente ao termo circunstanciado elaborado por outras instituições através do registro de ocorrências, não as dá direito de efetuar investigações criminais e somente se ater aos limites das decisões do nosso Supremo Tribunal Federal”, explicou.
O tema também foi comentado por Coronel Frederico, que explicou que o TC não é ato de investigação, e sim um simples registro de ocorrência, que pode ser feito pelas Polícias Militares.
“Os crimes temáticos, crimes com especificidades, a pessoa terá que ir à delegacia. Em casos de violência doméstica ou casos envolvendo a criança e adolescentes, o procedimento será o mesmo de hoje. Ou seja, o policial vai até a delegacia para registro da ocorrência e devidas providências”, explica.
O que dizem os juristas
As posições divergentes também avançam sobre quem não está diretamente envolvido no cenário.
Para o advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni, a discussão sobre o Termo Circunstanciado ser elaborado pela PM já aconteceu no Supremo Tribunal Federal (STF), que se posicionou pela ausência de inconstitucionalidade.
“Considerando-se que o Termo Circunstanciado não encerra em si um procedimento investigativo, mas sim, peça informativa com descrição detalhada do fato delituoso de menor ofensividade, é correto o entendimento de se reconhecer que não há razão constitucional para restringir sua lavratura pela Polícia Judiciária”, explica.
Em contrapartida, o advogado criminalista e sócio de Bialski Advogados Bruno Borragine, bate na tecla que a PM é uma polícia ostensiva e que a atribuição da Polícia Civil é de investigação.
“A Polícia Militar não tem poder de investigação. A lei não permite que a Polícia Militar faça investigação. E se o Estado de São Paulo expedir essa portaria que eles estão querendo fazer, eu já te adianto que é inconstitucional”, finaliza.
Fonte: cnn