Economia

Congelada, tabela do IR vira problema para governo e contribuinte

Tabela do Imposto de Renda não é atualizada desde 2015. Unafisco aponta que, se correção fosse aplicada desde 1996, rombo seria de R$ 184 bi.

Enquanto se discute o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, a nova tabela do Imposto de Renda (IR) está congelada desde 2015. Mas, se depender da vontade do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a atualização da tabela virá com a ampliação da faixa de isenção para quem ganha até R$ 5 mil por mês.

“Eu tenho uma briga com os economistas do PT. Se a gente fizer isenção até R$ 5 mil, são 60% da arrecadação deste país. Então, vamos mudar a lógica, diminuir para o pobre e aumentar para o rico”, disse Lula em discurso no Palácio do Planalto. A declaração do petista faz parte da promessa repetida desde a campanha eleitoral de “colocar o pobre no Orçamento” – já apertado.

Se Lula busca colocar o pobre no Orçamento, a equipe econômica sinaliza que essa parcela da população terá de esperar mais um pouco no caso do Imposto de Renda. Isso porque não há espaço fiscal para mexer na tabela Imposto de Renda neste ano.

Um estudo realizado pela Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Unafisco) e publicado em janeiro de 2023 aponta que 18 milhões de brasileiros se beneficiariam da isenção da cobrança do IR neste ano se a tabela fosse corrigida integralmente pela inflação desde 1996. Ficariam isentos todos com rendas tributáveis não superiores a R$ 4.723,77, valor próximo aos R$ 5 mil prometidos por Lula.

Um ponto, no entanto, preocupa a equipe econômica do novo governo: a renúncia fiscal que essa decisão significaria, de R$ 184 bilhões.

No documento da Unafisco, a correção a partir de 1996 foi calculada levando em conta a aplicação do Plano Real (1994), quando houve o congelamento da Tabela Progressiva do Imposto de Renda Pessoa Física (Tabela do IRPF) no período 1996 a 2001. “Ao contrário do que vinha acontecendo até 1995, quando sofria ajustes periódicos, a Tabela do IRPF não foi reajustada entre 1996 e 2001. A partir de 1º de janeiro de 1996, os valores da tabela, antes expressos em Unidades Fiscais de Referência (UFIR), foram convertidos em reais”, diz a Unafisco.

Na declaração do IR, a dedução no imposto é de R$ 2.275,08 por dependente. Esta reportagem considera apenas o salário bruto, sem as particularidades de cada declaração por contribuinte, como gastos hospitalares, doações filantrópicas e outros.

Na atualidade

Pela atual tabela, são isentos das contribuições previdenciárias aqueles com rendimento de até R$ 1.903,98. Entretanto, especialistas afirmam que a discussão sobre uma nova tabela precisa ter celeridade no governo federal, devido ao avanço do salário mínimo sobre os valores da isenção e as faixas de cobrança.

Neste ano, o salário mínimo sofreu um reajuste de 8,9% – o que cobriu a inflação de 5,81% e deu um aumento real de 3,1% ao contribuinte. Ou seja, quem ganhava R$ 1.212 em 2022 passará a receber R$ 1.302 em 2023. Para entender melhor, se o rendimento do trabalhador for de três salários mínimos ou pouco mais – R$ 3.900, por exemplo –, ele precisa entregar à Receita o equivalente a 15% de seu rendimento.

Um cálculo encomendado pelo Metrópoles à Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FipeCafi) e feito por Diogo Carneiro, professor e colaborador da Fipecafi Projetos, mostra ainda que o aumento do salário mínimo pode elevar a renda acima da isenção do Imposto de Renda, causando descontos e tornando o valor da aposentadoria menor que o esperado.

O aposentado que recebe acima de R$ 3.807,96 [duas vezes a isenção] passa a pagar 7,5%. Isso significa que o aumento de 5,93% do reajuste das aposentadorias medido pelo Índice de Preços no Consumidor (INPC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não é um valor da correção do salário mínimo, pois esse percentual não será sentido no bolso dos aposentados.

Exemplo:

Se o contribuinte ganha R$ 2.500, o IR é de 7,5% (primeira faixa na tabela, para renda entre R$ 1903,98 e R$ 2.826,65).
Isso significa que o cálculo para tributação será o seguinte:
R$ 2.500 – R$ 1.904 = R$ 596
R$ 596 x 7,5% = R$ 44,7 de impostos a pagar.

Julia Lenzi, professora de direito do Trabalho e da Previdência Social da Universidade de São Paulo (USP), explicou que não há uma valorização real do salário mínimo desde 2019. “O salário mínimo continua sendo reajustado com base apenas na inflação, na tentativa de manter seu poder de compra”, disse. “Ocorre que, com o aumento dos valores pagos aos trabalhadores e às trabalhadoras sem que tenha havido atualização da tabela do IR, a faixa de isenção foi se tornando cada vez mais restrita. Chega ao ponto de que as pessoas que, neste ano, recebem 1,5 salário-mínimo já estarão incluídas na primeira faixa de tributação”, afirmou.

Eduarda Bolze, advogada tributarista do escritório SGL, afirmou ainda que a relutância do governo em relação à arrecadação não é só federal, mas também dos governos estaduais e municipais, que ficam com um percentual do valor recolhido pela Receita. “Se aumentamos muito a faixa de isenção, temos, inclusive, muitas perdas para estados e municípios. Os entes federativos também recebem uma parcela do Imposto de Renda”, explicou.

“Combinando a faixa de isenção que temos na atualidade com o salário mínimo, os onerados são os mais pobres, que já sofrem os encargos pelo consumo”, completou.

Aposentados 

Em complemento, a tabela desatualizada também onera mais os aposentados. Aqueles que recebem duas vezes o valor do fim da faixa de isenção, R$ 3.807,96, já se enquadrarão nas deduções de 15% do rendimento. O cálculo não se aplica às aposentadorias por invalidez e aos aposentados acima de 65 anos.

Vale destacar que o governo concedeu aos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) um reajuste de 5,93%, abaixo da linha da inflação. Os assalariados manterão o mesmo poder de compra, enquanto aposentados mantêm o nível de empobrecimento, devido à alta dos preços nos supermercados e nas farmácias.

Gerson de Souza, advogado especialista em direito previdenciário, explicou que, a cada ano, produtos e serviços sofrem alterações e, por isso, há essa necessidade de correção. “Todo ano, produtos e serviços sofrem alteração nos preços, e isso é corrigido na moeda, pelo salário mínimo. Isso possibilita que as pessoas possam continuar comprando as coisas na mesma medida, mas a tabela sofreu essa paralisação”, declarou. “Imagina: a pessoa tem uma renda mais ou menos, e começa a pagar Imposto Renda, porque a tabela não foi corrigida”, declarou. “Esse é um problema técnico e de injustiça social”, disse.

Danielly Melo, advogada voltada a direitos sociais, afirmou que, no momento, quem está ganhando com a distorção entre tabela e reajustes é o governo. “O Estado ganha com a desatualização, pois mais pessoas são obrigadas a contribuir, aumentando a arrecadação. Quem perde, sem dúvidas, é o trabalhador com salários mais baixos, que passará a pagar um imposto que deveria ser isento”, disse.

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