Cúpula do Brics debate entrada de novos membros e moeda comum
Em viagem à África do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa, nesta terça-feira (22/8), da abertura da 15ª Cúpula do Brics – bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – na capital sul-africana, Joanesburgo. Até a próxima quinta-feira (24/8), líderes dos países discutirão a expansão do bloco, que deve definir o futuro da aliança.
Os debates devem permear três agendas principais: critérios para a adesão de novos membros; a adoção de uma moeda comum, tema de inflexão entre os membros; e a aproximação com países africanos, pauta cara à presidência temporária da África do Sul.
Temas de alta complexidade, os dois primeiros assuntos não têm unanimidade no bloco. Eles convergem, no entanto, ao definir o perfil e o futuro do Brics, no novo contexto global.
Este será o primeiro encontro presencial desde a pandemia de Covid, e também do início da guerra na Ucrânia, outro importante assunto em pauta. O evento marca ainda o retorno de Lula ao grupo que ele contribuiu com a fundação, após 13 anos. O petista chegou a Joanesburgo acompanhado da primeira-dama, Janja da Silva, e da aliada Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), o Banco dos Brics.
Sem o presidente russo Vladmir Putin, que participará de forma remota e enviará o chanceler Sergei Lavrov como representante, o brasileiro será o único presidente que participou da fundação do Brics a estar presente no atual encontro, o que contribuirá para atribuir a ele uma posição de protagonismo.
Expansão do bloco
Lula e os outros líderes do Brics devem usar a reunião para decidir sobre a adesão de novos membros na aliança, em especial durante a reunião de chefes de Estado marcada para a noite desta terça. Não há confirmações, no entanto, se os membros discutirão apenas princípios ou anunciarão oficialmente a entrada de outros países no grupo.
A primeira expansão ocorreu em 2011, com a entrada da África do Sul. Desde então, há pelo menos 20 solicitações oficiais de entrada no Brics; alguns deles estão mais adiantados, com o apoio da Índia e da China.
O interesse de entrar no bloco vem dos seguintes países: Argélia, Argentina, Arábia Saudita, Bangladesh, Bahrein, Belarus, Bolívia, Cuba, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Honduras, Indonésia, Irã, Cazaquistão, Kuwait, Marrocos, Nigéria, Palestina, Senegal, Tailândia, Venezuela e Vietnã.
Moeda comum
Outro tema importante na agenda é a criação de uma moeda comum para transações econômicas entre os países. A proposta não significa a abolição das moedas locais, e sim uma unidade de referência própria, na qual os membros possam realizar trocas comerciais sem depender do dólar.
A redução da dependência em relação à moeda norte-americana é uma pauta defendida pela China, com apoio de Lula, especialmente neste terceiro mandato. Em meio à guerra na Ucrânia, a Rússia de Putin também se beneficiaria do fim da dependência do comércio global em relação ao dólar.
A medida, no entanto, demanda uma “engenharia financeira complexa”, algo que demoraria a ser desenhado e implementado, segundo o cientista político André César. “É um tema bastante polêmico que desagrada, especialmente, os EUA e a Europa Ocidental”, pondera.
A chamada nova governança mundial, princípio basilar do grupo e pilar da política externa do presidente Lula, representa a busca por uma nova ordem mundial multipolar, mais equitativa. Ou seja, um contraponto ao contexto global marcado pela hegemonia dos Estados Unidos e de países europeus ocidentais.
Papel da Rússia
Além de discutir uma possível reformulação no bloco e uma maior aproximação com a África, a cúpula deste ano será pano de fundo para discussões sobre o papel da Rússia, uma das nações fundadoras do grupo, na comunidade global.
Apesar da ausência de Vladimir Putin, que vai participar do evento de forma remota após desistir de ir ao encontro sob o risco de ser preso, especialistas ouvidos pelo Metrópoles afirmam que a guerra no Leste Europeu deve ser um dos assuntos centrais do encontro.
“Existem intenções por parte de alguns países na comunidade internacional, favoráveis ao fim da guerra, que enxergam o encontro como uma forma de pressionar indiretamente a Rússia nessa questão”, explica Alana Monteiro Leal, internacionalista e consultora de comércio exterior.
Contudo, a reunião também pode ser favorável à Rússia, que tenta diminuir o isolamento internacional imposto pela invasão na Ucrânia. Além do interesse de parceiros estratégicos em entrar nos Brics, como Belarus, Irã, Cuba e Honduras, o encontro pode ser uma oportunidade do país liderado por Putin avançar em agendas na África.
“Há também países que desejam aproximação e ampliar trocas, seja utilizando o Brics como ponte, seja como uma janela de oportunidade e interesse em aprofundar relações”, pondera a especialista.
Nos últimos anos – e principalmente após a guerra na Ucrânia – a Rússia tem ampliado a atuação no continente africano, principalmente em países que enfrentam instabilidade política e recentes golpes de Estado.
Em países como Burkina Faso, Mali e mais recentemente o Níger, a presença russa se expandiu após militares assumirem o poder e viraraem as costas para o Ocidente. Com os novos regimes nas nações do Sahel, a Rússia se tornou um antagonista da atuação antigos parceiros, como a França, que perdeu influência na região.
Uma recente declaração de Sergey Lavrov, que vai representar a Rússia nesta cúpula dos Brics, mostra que o país deve seguir o pragmatismo adotado até aqui em sua política externa.
Em artigo publicado na revista sul-africana Ubuntu, o ministro das relações exteriores da Rússia reafirmou o compromisso do país em expandir parcerias na África.
“Estamos trabalhando consistentemente para desenvolver a interação do Brics com os países que representam a maioria mundial”, disse o chanceler russo. Segundo Lavrov, a Rússia “compartilha totalmente” com a abordagem da África do Sul na cúpula, que busca um maior fortalecimento e cooperação com países africanos.
Agenda na África
Nesta terça, os líderes participarão de um fórum empresarial, e depois farão um retiro, um evento apenas com os chefes de Estado e governo e dos respectivos ministros das Relações Exteriores.
Na quarta-feira (23/8) acontece a reunião de cúpula entre os líderes do bloco, em duas sessões. No dia seguinte, na última etapa do evento, ocorre o encontro estendido com os países-membro do Brics e cerca de 40 países convidados, em sua maioria chefes de Estado e governo de nações interessadas em ingressar no bloco, vindos da África, da América do Sul, do Caribe e da Ásia.
Dos países do bloco, estarão presentes os presidentes Lula (Brasil), Cyril Ramaphosa (África do Sul) e Xi Jinping (China), e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
Fonte: metrópoles