Economia

Em tempos de volatilidade, investidores trocam unicórnios por camelos

Em seis meses, as startups brasileiras captaram US$ 2,92 bilhões em 327 transações, valor 44% inferior ao registrado em 2021, segundo a Distrito.

Os últimos anos foram produtivos para os unicórnios — ou seja, aquelas startups e empresas de tecnologia com potencial de chegar a mais de US$ 1 bilhão em valor de mercado em um curto período.

Segundo dados da plataforma Distrito, foram US$ 9,79 bilhões investidos em inovação e tecnologia no país em 2021 contra US$ 3,59 bilhões em 2020. O Brasil não é o único país que viu esse crescimento: no mundo, foram registrados mais de 546 novos unicórnios em 2021, contra 110 em 2020, indicam dados da CBInsights.

O cenário mudou de tom em 2022. A alta da inflação, juros altos e crise política global afetaram essas empresas: em seis meses, as startups brasileiras captaram US$ 2,92 bilhões em 327 transações, valor 44% inferior ao registrado em 2021, segundo a Distrito.

A era do camelo

Com todos os fatores externos, um novo modelo de startup começa a ganhar relevância aos olhos dos investidores – os camelos.

Camelos são animais que resistem a longos períodos de seca, e conseguem armazenar água e seguir avançando, mesmo em ambiente adverso. As empresas têm comportamento similar: contrapondo o termo unicórnio, apesar dos resultados não serem extravagantes, são startups consistentes, especialmente em períodos de volatilidade e incertezas como o que a bolsa vive hoje.

“Investidores têm buscado cada vez mais essas startups com nível de resiliência maior para passar por necessidades e desafios do mercado. Essas que conseguem aumentar ou reduzir planos conforme as demandas”, afirma Livia Brando, diretora da VOX Capital.

Quando a economia aperta e os problemas vem à tona, por trás dessas empresas e de suas propostas precisa haver um empreendedor resiliente, que não desvia do seu foco inicial. “Os investidores passaram a valorizar empresas com maior sustentabilidade financeira em detrimento de empresas com grande capacidade de crescimento”, diz Gustavo Gierun, CEO e cofundador do Distrito.

Para os especialistas, esse cenário foi um banho de água fria aos investidores, que não estavam acostumados com os riscos — especialmente aqueles que entraram em 2021 no mercado financeiro.

Ainda sim, Brando afirma que foi isso benéfico para as empresas e investidores. “Ele obriga o mercado a retomar uma visão mais fundamentalista: as empresas e analistas estão mais seletivos”, explica.

Em outras palavras, “crescer a qualquer custo” saiu de moda. A analista enaltece que é necessário mostrar a sustentabilidade do negócio: para isso, precisa haver uma clareza do que é gasto, valor gerado, benefícios para o consumidor final. Acima de tudo, ter uma visão de projeções — realistas — de crescimento.

Mudança de comportamento

Em momentos de maior volatilidade, é natural que ocorra uma reprecificação dos ativos e maior restrição de capital, que impactam os valores de mercado de empresas privadas, explica Gierun.

As primeiras que sofrem com essas quedas na bolsa são empresas de tecnologia. Brando refere-se a elas como “empresas do hype”, empresas tech especialmente ligadas a bens de consumo.

“Essas empresas tiveram um crescimento muito acelerado, mas captaram valores com uma receita projetada muito alta”, explica. Valores esses que a especialista considerou, por vezes, irreais.

Para ela, um dos fatores que levaram a isso foi que 2021 foi um ano fora da curva para o Brasil e América Latina no quesito venture capital. O crescimento do mercado, nos últimos 5 anos, estava em uma crescente estável, mas atingiu um pico no ano, com abundância de capital e apetite para o risco suscitados pela reabertura das economias mundo afora.

Esse não é mais o caso hoje. Como consequência, “muitos investidores que aplicaram nessas ‘startups de hype’ acabaram perdendo dinheiro. Essas empresas vinham captando com valuations muito altos, e curto espaço de tempo entre rodadas. A empresa não conseguiu captar o que precisava”, ressalta Brando.

Para o futuro

Para 2023 e 2024, os especialistas ainda não preveem melhoras significativas no mercado. Cabe, então, às novas startups e empresas do mercado financeiro nascerem com esse pensamento em seu DNA.

“Empreender é ser um camelo”, diz Brando. “Não é fácil captar, crescer, tirar a ideia do papel, tracionar. Independente da condição de mercado, sempre terão desafios —- que serão piores ainda esse ano e no próximo. O mais importante é estar muito atento às tendências do mercado, ao comportamento dos consumidores e entender que, em toda volatilidade de mercado, existem desafios, mas existem oportunidades”.

Para Gierun, o empreendedor e suas startups precisam ser capazes de se adaptar rapidamente às condições do momento.

“O mundo e a economia vivem de ciclos. Hoje, a sustentabilidade operacional e financeira é mais importante com relação ao crescimento. Em algum momento, a inflação global irá ceder e os juros irão cair. Com isso, investidores voltarão a buscar ativos com maior potencial de retorno e, possivelmente, um novo ciclo irá iniciar. Com a maior disponibilidade de capital, a capacidade de crescimento poderá voltar a ser mais relevante”, explica.

“Adaptabilidade é a palavra que define este jogo”, finaliza. Adaptabilidade essa que, para os especialistas, os camelos têm de sobra.

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