Entenda por que a Bolsa brasileira está batendo recordes históricos

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O mercado parece ter saído mais forte da prova de fogo das últimas semanas. Com o arrefecimento das tensões comerciais causadas pela cruzada tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Bolsas pelo mundo -inclusive a brasileira- estão registrando disparadas que pareciam estar fora do radar até pouco tempo atrás.
O Ibovespa renovou seu recorde histórico nominal mais uma vez nesta segunda-feira (19) e chegou até a ultrapassar o inédito patamar de 140 mil pontos ao longo do período de negociações. O fechamento deste pregão -uma alta de 0,32%, a 139.636 pontos- colocou a Bolsa brasileira mais próxima do chamado “bull market”, ou “mercado de touro” em português.
O termo significa um momento de valorização de um determinado índice, como o Ibovespa, por um período significativo de tempo. A metáfora alude ao momento de ataque do touro, que golpeia a presa com os chifres em um movimento que parte de baixo e vai para cima. Nas definições técnicas, essa “chifrada” aparece quando um índice está 20% acima da mínima atingida no último ciclo de baixa.
“Considerando a mínima do dia 13 de janeiro, quando houve um ponto de inflexão nos mercados, a alta acumulada do Ibovespa chega a 17%. Não estamos tecnicamente em um ‘bull market’, mas estamos muito próximo dele”, diz Filipe Villegas, estrategista de ações da Genial Investimentos.
O motivo por trás da disparada é o mesmo que suscitou pânico nos mercados no mês de abril: a política dos Estados Unidos.
Está em curso uma “rotação” para fora dos mercados norte-americanos, sobretudo os que estão mais sujeitos a volatilidades causadas pelo vaivém do presidente. “A política tarifária fez com que os recursos, principalmente de fundos de pensão europeus, migrassem de lugar. Quando os gestores tiraram esse dinheiro, alocaram uma parte nos mercados emergentes, e o Brasil capturou um pouco dessa dispersão”, diz João Piccioni, CIO (chefe de investimentos) da Empiricus Gestão.
“Não foi um volume muito grande, mas foi o suficiente para provocar essa ebulição no mercado.” A rotação, ele acrescenta, já era antecipada por algumas gestoras de investimentos antes da virada do ano.
Segundo relatório do Santander, as novas entradas de investidores estrangeiros na Bolsa somaram mais de R$ 20 bilhões desde o dia 17 de abril. O braço de análise do banco estima que o movimento ganhe tração nos próximos meses, “dada a contínua diversificação das ações americanas para o resto do mundo”.
O relatório cita dados do Departamento do Tesouro dos EUA. De acordo com a autoridade americana, os estrangeiros detinham 17,8% dos títulos de ações do país em 2024 -o equivalente a US$ 16,8 trilhões (R$ 94 trilhões) do valor de mercado total do segmento.
“Cada ponto percentual de realocação equivale a US$ 950 bilhões em potenciais fluxos de diversificação no mercado internacional. O Brasil poderia ganhar aproximadamente US$ 26,5 bilhões (R$ 150 bilhões) em entradas de capital, considerando um cenário modesto de realocação.”
Ou seja, a menos que haja alguma reversão na tendência dos investidores globais, o mercado prevê que a Bolsa brasileira continuará em tempos de fartura.
Parte disso também se explica pelo que o mercado resumiu como “Bolsa barata”. Segundo Piccioni, boa parte das empresas listadas fez o “dever de casa” nos últimos anos e apresentou resultados sólidos nos balanços financeiros, e o valor das ações não necessariamente acompanhou essa melhora de performance.
“As ações ficaram muito defasadas, e as empresas do ciclo doméstico estão surpreendendo. Várias delas estão subindo mais de 40% no ano, e agora o investidor local parece estar mais confortável para voltar para a Bolsa de novo. Não à toa, o Ibovespa está rompendo as máximas históricas sem o suporte da Vale e da Petrobras, as duas maiores empresas do índice, que estão longe de seus próprios recordes”, diz Piccioni.
O momento também se ampara no possível fim do ciclo de altas da taxa Selic, hoje em 14,75% ao ano. O presidente do BC (Banco Central), Gabriel Galípolo, chegou a dizer nesta segunda que a autoridade monetária está dependente de novos dados sobre a economia para decidir o que fará com os juros nas próximas reuniões.
Segundo o relatório do Santander, conversas com investidores estrangeiros indicaram que eles já haviam previsto uma interrupção nas altas da Selic e que isso foi um catalisador para adicionar ações brasileiras às carteiras.
“Tudo isso cria um ambiente favorável para se investir em ações. Claro, os fundamentos do Brasil não são dos melhores. Os juros altos, mais cedo ou mais tarde, vão bater na economia, e as políticas fiscais expansionistas prejudicam bastante a relação risco-retorno. Mas eu acredito que boa parte disso já está sendo considerada pelo investidor, e, como o Brasil representa uma posição pequena em relação ao resto do mundo, ainda há espaço para mais alocações estrangeiras aqui”, diz Villegas, da Genial Investimentos.
Para quem não tem investimentos na Bolsa, os efeitos dessa disparada são menos palpáveis. Eles aparecem, sobretudo, como um novo dinamismo na economia, onde grandes empresas aproveitam dos bons ventos para colocar novos produtos e serviços no mercado. “É um momento onde as companhias costumam ser mais vocais sobre elas mesmas, incentivando o consumo, aquecendo a atividade e dando um impulso novo para alguns segmentos”, afirma Piccioni.