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Fazenda, restaurante e lanchas: conheça a fortuna ‘lavada’ pelo bicheiro Rogério Andrade, segundo polícia e MP

A lista de bens do contraventor Rogério Andrade é extensa. A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio (MPRJ) descobriram que, por trás de empresas de fachada e até de estabelecimentos lucrativos com entrada de dinheiro lícito ou não, o contraventor “lavou” sua fortuna oriunda da exploração de jogos de azar. São imóveis, carros e iates de luxo. Um dos destaques é a fazenda Três Irmãos, de 20 hectares, em Vitória da Conquista, na Bahia. A Justiça determinou o sequestro de R$ 42 milhões em bens de Rogério e de integrantes de sua organização criminosa, na  operação realizada nesta sexta-feira.

Rogério Andrade

Desde o início da manhã, investigadores do Departamento Geral de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro (DGCOR-LD) e promotores da 4ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada cumpriram 26 mandados de busca e apreensão em endereços da quadrilha. Além de arrecadar computadores, celulares e documentos, outro objetivo foi a arrecadação de bens que totalizem o valor determinado pela 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa do Tribunal de Justiça do Rio.

A fazenda Três Irmãos — referência a Rogério e seus outros dois irmãos — de 20 hectares, o equivalente a 28 campos de futebol, é uma das mais rentáveis. O esquema de lavagem de dinheiro, conforme relatório dos investigadores, seria por meio da venda de sacas de café. Só que no local, os agentes só encontraram um matagal e um galpão com máquinas antigas e um saco de café.

Já no restaurante Gajos D’Ouro, no endereço nobre da Rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, uma das maiores fontes de lucro do bicheiro, policiais e promotores detectaram inconsistências nas planilhas de contabilidade, razão da busca e apreensão de documentos e obras de arte no local.

Segundo as investigações, o Gajos D’Ouro seria usado para dissimular e ocultar valores obtidos com ganhos ilícitos originários do jogo de bicho, máquinas de caça níquel e bingos, atividade ilegal no país. O estabelecimento tem Rogério e o filho dele, Gustavo de Andrade, que está preso como sócios. A importância do restaurante chega a ser tanta que a defesa do contraventor pediu à 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa que alterasse uma das medidas cautelares do contraventor. Os advogados pediram que o horário de recolhimento noturno dele passasse de 20h para 22h, justamento por ele administrar o restaurante, mas foi negado.

Durante as buscas no restaurante, o HD do estabelecimento foi apreendido pelos peritos. Também foram arrecadadas obras de arte que decoravam o local. O sócio operacional do Gajos D’Ouro, André Vasconcelos, acompanhou as buscas e disse que o lugar foi montado com a “união de ex-funcionários” do Antiquarius, icônico restaurante especializado em comida portuguesa, que fechou suas portas em 2018, afundado em dívidas. O estabelecimento, que funcionava no Leblon, atraiu estrelas como Madonna, Mick Jagger e Sting.

Ele (Gajos D’Ouro) nasceu da união de ex-funcionários do Antiquarius que faliu. Montamos um plano de negócios e entregamos para empresários. Tivemos a felicidade de um deles aceitar e virar o atual proprietário do restaurante, nos ajudando a montar a estrutura. O primeiro endereço foi na Rua Prudente de Moraes. Deu tão certo que mudamos para cá (Aníbal de Mendonça). O Seu Rogério nos ajudou a montar o ponto. Juntou a equipe de 40 funcionários do Antiquarius. É uma história de sucesso que perdura por dois anos — justificou o sócio operacional.

Além dos imóveis, há carros de luxo, a maioria blindados. O luxo das salas das empresas, consideradas de fachada pelos investigadores, também chama a atenção, como os escritórios da Rai Boat e Rai Rolding. Elas estão localizadas no centro empresarial Le Monde, um dos mais caros da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Os cômodos são decorados com objetos de arte.

A operação realizada pela Polícia Civil e o MPRJ desta sexta-feira foi batizada de Pequod, uma referência ao nome do navio que afundou com o comandante e a tripulação toda ao tentar capturar a baleia Moby Dick, do romance publicado em 1851 pelo escritor Herman Melville. Rogério Andrade tem como hábito se exibir em iates de luxo, um deles avaliado em R$ 10 milhões, e pescar em potentes embarcações.

A partir da análise de dados extraídos de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) comparados com valores declarados à Receita Federal pelo contraventor e 10 cúmplices que os investigadores perceberam artifícios para esconderem a origem da receita, prática típica de lavagem de dinheiro. Do sequestro dos R$ 42 milhões de Rogério, constatou-se que R$ 19 milhões são, comprovadamente, de origem ilícita.

Com relação ao restante, os R$ 23 milhões, os agentes encontraram fortes indícios de dinheiro proveniente de jogos de azar. Por isso, a promotoria requereu o “confisco alargado” ao titular da 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa, o juiz Gustavo Gomes Kalil. Trata-se de uma nova modalidade de confisco, introduzida pelo pacote anticrime de 2019, que considera, para efeitos de perda, os bens correspondentes à diferença entre o patrimônio do acusado e aquele que seria compatível com seu rendimento lícito.

Foram identificadas ao menos duas empresas de fachada: Planet Boat e Rai Holding. Além de Rogério Andrade, as investigações apontaram seu filho Gustavo Andrade, que está preso, como um dos suspeitos. Os demais aparecem no quadro societário das empresas.

Foi por meio da Planete Boat, que Rogério e o filho Gustavo Andrade compraram o iate stone por R$ 10 milhões, uma das embarcações mais caras do contraventor. O bicheiro o batizou de Repafe III. Ele costuma se exibir na embarcação com mulheres bonitas. O outro iate é o Randra.

Carros de luxo foram encontrados em endereços alvos de mandados de busca e apreensão
Carros de luxo foram encontrados em endereços alvos de mandados de busca e apreensão Foto: Reprodução

No início de maio de 2022, Rogério Andrade estava a bordo de um dos seus barcos, pescando no Caribe, quando o MPRJ armava um esquema para prendê-lo. Principal alvo da Operação Calígula, ele participava da competição Costa Offshore World Championship, torneio internacional de pesca de peixe de bico. O plano dos promotores era dar a voz de prisão no retorno ao Rio de Janeiro, mas houve vazamento da operação, que chegou ao conhecimento de Rogério, que mudou o rumo da viagem e desapareceu.

Nos vídeos postados nas redes sociais, antes da operação, Rogério apareceu em várias passagens dentro da lancha Randra, nome inspirado nas iniciais do seu nome. Os autores das imagens, no entanto, tomam o cuidado de não mostrá-lo de frente. Numa das fotos, em que ele está de óculos e boné, aparece uma curtida pela mulher Fabíola nas redes, que escreve “meu pescador”. A equipe de Rogério terminou o torneio em quinto lugar.

Só em agosto do ano passado, Rogério e filho foram presos num condomínio em Petrópolis, na Região Serrana. Embora o contraventor tivesse um habeas corpus, ele acabou sendo preso em flagrante, porque a Polícia Federal e o MPRJ encontraram duas folhas, escritas à mão, com anotações referentes a pagamentos feitos a policiais, na casa de Rogério. No papel, constava a data de 3 de agosto de 2022. Na época, a promotoria justificou a prisão: “uma sistemática cadeia de corrupção mantida de forma persistente com instituição de segurança pública, mesmo durante períodos, inclusive, que Rogério de Andrade permanecia foragido”.

Mas o contraventor ficou apenas quatro meses preso. Em 20 de dezembro, o plantão judiciário do Tribunal de Justiça determinou a soltura dele, após o Superior Tribunal de Justiça aceitar um pedido de habeas corpus da defesa do contraventor, no dia 16 do mesmo mês. No entanto, Andrade cumpre algumas medidas cautelares impostas pela Justiça. Ele é obrigado a usar tornozeleira eletrônica e não pode sair do país. Está proibido ainda de ficar na rua entre 20h e 6h da manhã, devendo permanecer em casa neste período.

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