Polícia

‘Golpe do PIX’: jornalistas e outros 10 suspeitos de desviar doações em telejornal

Jornalistas Jamerson Oliveira e Marcelo Castro lideraram organização criminosa, segundo a Justiça baiana – Foto: Reprodução/Redes sociais

O apresentador de TV Marcelo Castro, o editor-chefe Jamerson Oliveira e outras 10 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), acusados de formar uma organização criminosa. Para a promotoria, o grupo desviou e lavou dinheiro que deveria ser repassado a pessoas em situação de vulnerabilidade.

Os 12 suspeitos teriam se apropriado de R$ 407.143,78, o equivalente a 75% dos R$ 543.089,66 arrecadados em 12 campanhas para pessoas em situação de vulnerabilidade. Como mostra a denúncia, do total desviado:

  • R$ 146.231,07 teriam ficado com Castro
  • R$ 145.728,85 teriam ficado com Jamerson

As doações eram feitas por telespectadores do “Balanço Geral”, telejornal da Record Bahia/TV Itapoan no qual Castro e Jamerson trabalhavam – o primeiro como um dos principais repórteres, e o segundo como editor-chefe. O programa divulgava uma chave PIX para que o público pudesse ajudar os cidadãos cujas histórias eram relatadas junto a pedidos de ajuda.

A suspeita de desvio veio à tona em março de 2023 após uma denúncia informal feita à Record. A emissora logo iniciou uma investigação interna, identificou casos semelhantes, acionou a Polícia Civil e demitiu os profissionais envolvidos.

As investigações apontaram que não havia uma chave de PIX usada em todos os crimes cometidos. O grupo alternava contas de nove denunciados, as vezes mais de uma durante o mesmo episódio.

Castro e Jamerson negam as acusações. Em nota, a defesa dos jornalistas destacou que a denúncia ainda não foi recebida pela Justiça.

“Por tais motivos, deveremos ter cautela nas informações que são passadas, até porque ‘as provas’ colhidas na fase inquisitorial não passaram por diversos princípios processuais e constitucionais penais e constitucionais. A defesa continua, veemente, arguindo a inocência dos seus assistidos, por ser de mais lídima justiça”.

A denuncia foi oferecida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e investigações Criminais (Gaeco) do MP-BA à 9ª Vara Criminal da Comarca de Salvador no dia 9 de agosto. Os suspeitos são acusados de apropriação indébita, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Para o juiz titular da 9ª Vara, Eduardo Afonso Maia Caricchio, trata-se não apenas de uma associação, como o MP-BA sugeriu, mas sim de uma organização criminosa, pois a estrutura complexa do grupo inclui hierarquização. De acordo com o magistrado, o grupo se articulava de forma muito ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.

Por isso, o juiz remeteu os autos à Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa da capital baiana no dia 12 de agosto. Na prática, agora cabe a outra jurisdição dar seguimento ao processo.

Por isso, o juiz remeteu os autos à Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa da capital baiana no dia 12 de agosto. Na prática, agora cabe a outra jurisdição dar seguimento ao processo.

Quem são os suspeitos?

A investigação apontou para 12 pessoas como membros da organização criminosa. São elas:

  • Alessandra Silva Oliveira de Jesus, 21 anos
  • Carlos Eduardo do Sacramento Marques Santiago de Jesus, 29 anos
  • Daniele Cristina da Silva Monteiro, 27 anos
  • Débora Cristina da Silva, 27 anos
  • Eneida Sena Couto, 58 anos
  • Gerson Santos Santana Junior, 34 anos
  • Jakson da Silva de Jesus, 21 anos
  • Jamerson Birindiba Oliveira, 29 anos
  • Lucas Costa Santos, 26 anos
  • Marcelo Valter Amorim Matos Lyrio Castro, 36 anos
  • Rute Cruz da Costa, 51 anos
  • Thais Pacheco da Costa, 27 anos

Os jornalistas Marcelo Castro e Jamerson Oliveira seriam líderes do grupo, conforme denúncia do MP. Eles e o suspeito Lucas Costa Santos estariam envolvidos em todos os casos de desvios.

Como repórter, Castro entrevistava as vítimas, narrando os dramas e pedindo doações. Nesses momentos, ele informava o número de uma chave PIX, que aparecia na tela para que as pessoas fizessem suas contribuições. O MP-BA aponta que ele fazia isso mesmo sabendo que as contas indicadas não pertenciam aos entrevistados, e sim a terceiros.

Jamerson, então editor-chefe do programa, era responsável pela transmissão. Na função, ele autorizava a inserção e a exibição da chave PIX destinada ao recebimento das doações, também ciente de que pertencia a um dos integrantes do grupo criminoso.

Já Lucas seria um dos operadores, identificando casos para serem exibidos na televisão. Ele também foi o responsável por cooptar os outros participantes do esquema e obteve com eles as contas bancárias para receberem os valores doados pelos telespectadores.

Todos os envolvidos no esquema tinham algum tipo de relação familiar com Lucas, exceto Jamerson e Castro. O operador é filho de Rute, companheiro de Thais, primo de Alessandra, Débora, Daniele e Gerson. Esse último é filho de Eneida e companheiro de Débora.

Juntas, essas 12 pessoas teriam se apropriado indevidamente da maior parte das doações, e destinado aos donatários “uma ínfima quantia” dentre o total arrecadado. Em seguida, eles teriam dividido entre si valores proporcionais à atuação e liderança dentro do grupo.

Quem eram as vítimas?

O inquérito policial contabilizou 12 casos de desvios, todos eles com participações “efetivas e estáveis” dos jornalistas e de Lucas. Os suspeitos foram indiciados pela polícia Civil em julho de 2023.

As vítimas do golpe eram cidadãos em situação vulnerável, seja por problemas de saúde ou financeiros. Elas participavam de reportagens do telejornal, contando suas histórias.

O programa, então, divulgava um PIX da produção como forma de ajudá-las. O objetivo era angariar doações dos telespectadores, que deveriam ser integralmente repassadas às pessoas necessitadas. Mas, segundo a investigação do MP-BA, a maior parte do valor arrecadado era desviada pelos suspeitos.

O Gaeco destaca que as vítimas acreditavam que a chave PIX informada era de titularidade da emissora ou de alguém ligado ao programa, porque essa era a informação repassada por Marcelo Castro quando era questionado por alguém.

Sem acesso à informação do montante efetivamente arrecadado, elas satisfaziam-se com os valores recebidos. Só tomaram conhecimento da fraude quando os fatos foram divulgados na imprensa.

Como o caso foi descoberto?

O caso veio à tona em março do ano passado por conta da desconfiança de um jogador de futebol. Interessado em doar dinheiro para a família de uma criança que enfrentava problemas de saúde, ele estranhou a diferença entre a conta exibida na transmissão, no dia 28 de fevereiro, e a indicada para a doação nos bastidores. Ao simular uma transação, foi constatada a divergência na titularidade das contas.

“Ele descobriu que aquela chave PIX era de uma pessoa que desenvolvia a atividade de rifeiro. Como ele queria fazer essa doação, desconfiou e conseguiu o telefone da mãe da criança com câncer. Foi feito um acerto de que doação seria feita diretamente para ela, não para aquela chave”, contou o delegado Charles Leão, responsável pelas investigações na Polícia Civil, meses atrás.

O jogador relatou esse fato à emissora, que conduziu uma apuração interna e identificou outros casos semelhantes. A Record Bahia, então, levou a situação à polícia e demitiu os jornalistas envolvidos.

O Gaeco aponta que, durante todo o período da fraude, o grupo arrecadou R$ 543.089,66 em doações. Desse total, apenas 25% foi repassado às vítimas, o que equivale a R$ 135.945,71. Ou seja, o grupo teria desviado R$ 407.143,78.

O caso considerado o estopim para a descoberta da ação criminosa foi a história de uma criança que sofria com tumores na cabeça e na barriga. A reportagem exibida em fevereiro de 2023 afirmava que os medicamentos custavam em torno de R$ 73 mil e não eram fornecidos pelo Serviço Único de Saúde (SUS).

A situação sensibilizou o público, que somou R$ 109.569,63 em doações, além do montante de R$ 70 mil já repassado pelo jogador de futebol. Do total, R$ 69.533,53 teriam sido apropriados indevidamente pelo grupo suspeito, com apenas R$ 40.036,10 repassados à família.

O advogado Marcus Rodrigues, que representa os dois, defendeu a inocência de seus clientes:

“A denúncia foi ofertada, mas a mesma ainda não foi recebida pela Justiça. Por tais motivos, deveremos ter cautela nas informações que são passadas, até porque “as provas” colhidas na fase inquisitorial não passaram por diversos princípios processuais e constitucionais penais e constitucionais. A defesa continua, veemente, arguindo a inocência dos seus assistidos, por ser de mais lídima justiça”.

fonte: g1

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