Justiça tira escolta policial de viúva do ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega
Júlia Lotufo ficou mais de um ano sob proteção da Core, mas juiz afirmou que nunca houve uma ordem oficial para isso
Depois de mais de um ano com escolta da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), tropa de elite da Polícia Civil, Júlia Emília Mello Lotufo, viúva do miliciano e ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, perdeu o privilégio. Em decisão do juiz da 1ª Vara Criminal Especializada da Capital, Bruno Rulière, na semana retrasada, em processo no qual Júlia é ré por lavagem de dinheiro e organização criminosa, o magistrado indeferiu o pedido da defesa dela para manter a sua segurança e destacou que “nunca houve determinação do Juízo para que a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro prestasse escolta à acusada”. Rulière determinou ainda que o passaporte da ré continuasse retido, indeferiu o pedido da defesa para que Júlia passasse a morar em Portugal e dispensou o uso de tornozeleira.
Em março do ano passado, o magistrado decretou a prisão preventiva de Júlia, que não chegou a ser cumprida. Sua defesa recorreu da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que concedeu prisão domiciliar a ré, além do uso de tornozeleira eletrônica. Em seguida, a Polícia Civil, por conta própria, disponibilizou três equipes de agentes da Core, que se revezavam e utilizavam carros da corporação, para fazer a segurança de Júlia. De junho do ano passado até o início deste mês a escolta acompanhava a viúva de Adriano às audiências no fórum do Rio ou permanecia na garagem do prédio, à beira mar na Barra da Tijuca, onde Júlia e o atual marido, o empresário Eduardo Vinícius Giraldes Silva, vivem.
O casamento dela com Giraldes, dono da indústria de azeites Royal, ocorreu oito meses depois do assassinato de Adriano da Nóbrega, em fevereiro de 2020, na Bahia. O empresário também responde a um processo na Justiça por sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, inclusive teve o passaporte apreendido, a exemplo da mulher, mas o recuperou. Por isso, o pedido da defesa de Júlia para liberar o dela, uma vez que o casal pretende viver em Portugal, de acordo com a petição da defesa dela. Giraldes, inclusive, está fora do Brasil.
Busca de explicação
O GLOBO publicou reportagem em 1º de maio do ano passado, denunciando que Júlia, sendo ré num processo, tinha o benefício da escolta do grupo de elite da Polícia Civil, embora não fosse função dos agentes. Na época, a instituição informou que disponibilizou a segurança por ela estar num processo de colaboração premiada com o Ministério Público no Rio (MPRJ) e, “como ela prestou depoimentos que denunciam o crime organizado, colocou a própria vida em risco”. No entanto, mais de um ano depois, ao tomar conhecimento de que a viúva de Adriano chegou à audiência no Tribunal de Justiça escoltada por uma picape da Core com quatro policiais, o magistrado buscou explicações sobre tal situação inusitada.
A fim de manter os policiais da Core com Júlia, seus advogados alegaram na Justiça “falha do Estado em garantir o sigilo das gravações”. Durante o processo das tratativas para a delação premiada da ré, que não ocorreu porque o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ) entendeu que não havia relevância nos fatos relatados por ela, trechos do depoimento da viúva de Adriano vazaram para a imprensa. Por isso, os advogados argumentaram que o vazamento “do conteúdo sigiloso” tornaram ‘impossível” uma “vida comum” pela ré.
O magistrado, por sua vez, entendeu que não cabe o pedido de escolta na ação penal: “Inicialmente, as conjecturas expostas pela respeitável defesa técnica acerca de suposto risco de criminosos atentarem contra a vida da acusada não servem de fundamento idôneo ao pedido defensivo. Este magistrado, por certo, não tem meios de aferir a existência ou não dos riscos sugeridos pela defesa”. Rulière relembrou que a questão de segurança de Júlia já foi discutida anteriormente, sendo oferecido à ré o Programa Estadual de Assistência a Vítimas e Testemunhas e familiares de Vítimas de Crimes (Provita). Apesar disso, a defesa insiste em pedir a manutenção da escolta por policiais pagos pelo poder público, fato destacado inclusive por Rulière.
Sem amparo legal
Mais adiante, o juiz ressaltou na decisão que não há amparo legal para determinar que a Polícia Civil realizasse a escolta da ré. Rulière questiona inclusive o fato de Júlia passar tanto tempo com os agentes sem ter direito: “Portanto, ainda que haja certa imprecisão e indefinição quanto a quem determinou que a ré se beneficiasse de uma escolta prestada pelo grupo de elite da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro por mais de um ano, fato é que nunca ocorreu determinação do Juízo neste sentido”. O magistrado disse ainda num trecho que, disponibilizar o benefício da segurança em exclusividade para a acusada comprometeria o serviço público, que deve ser direcionado a toda a população.
O secretário de Polícia Civil do Rio, delegado Fernando Albuquerque, ao se manifestar no processo sobre o assunto, em ofício datado de 4 de outubro, reconhece que não há decisão judicial que sustente a manutenção da escolta. Segundo ele, o serviço é destinado a agentes públicos “tais como magistrados, promotores de justiça e policiais que atuam em investigações e processos judiciais que versam sobre crimes graves e que trazem algum risco às suas vidas e integridade física, bem como a testemunhas”.
No entanto, em certo trecho, o secretário tenta justificar a segurança excepcional oferecida à ré: “Possivelmente nesse período (o tempo que durou a escolta), enquanto ainda pendente de decisões quanto a homologação ou não do instituto (da colaboração premiada), por solicitação da defesa, foi autorizada a vigilância do local de residência por equipe da Core”. Embora o Gaeco tenha rejeitado a proposta de delação em fevereiro deste ano, a escolta da tropa de elite da Polícia Civil só foi retirada este mês, ou seja, oito meses depois. Na época que ela foi instituída, o secretário de Polícia Civil era o antecessor de Albuquerque, delegado Allan Turnowski. Este último é réu em processo por organização criminosa, por suposto envolvimento com a contravenção, que tramita na mesma vara do caso de Júlia.
Procurada pelo GLOBO, a Polícia Civil não explicou porque Júlia Lotufo passou mais de um ano com escolta da Core. O advogado George Hidasi, que defende a ré, explicou que não poderá se manifestar porque o processo está em segredo de justiça. A defesa de Giraldes não retornou o contato.
O processo de Júlia na 1ª Vara Criminal Especializada está em fase de alegações finais, momento em que a defesa apresenta todas as provas e considerações, antes de o juiz dar sua sentença. A viúva de Adriano foi denunciada pelo Gaeco por lavagem de dinheiro e organização criminosa. Nos autos consta uma planilha contábil, extraída a partir da quebra de dados telemáticos de Júlia, que revela “vultuosos valores sobre despesas e créditos a receber” (sic), totalizando uma movimentação de R$ 1.845.111, 43, só no mês de maio de 2019. Com a morte do chefe da milícia de Rio das Pedras e da Muzema, na Zona Oeste do Rio, coube a mulher tocar os negócios lícitos e ilícitos do ex-capitão, segundo o MPRJ. Adriano também é apontado como chefe do grupo de matadores de aluguel denominado “Escritório do Crime”. Júlia herdou o espólio do marido que o Gaeco tenta calcular, entre imóveis, cavalos e outros bens.
Fonte: O Globo