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Mães que optaram por ter muitos filhos falam da rotina para cuidar de até sete crianças

Mulheres que escolheram ter muitos filhos em época que a taxa de fecundidade no Brasil é de 1,5 criança por mulher em idade reprodutiva. Elas partilham as vivências da maternidade em famílias numerosas.

Aos 36 anos, a empresária e consultora de imagens Juliana Salmito tem sete filhos e brinca que gostaria de estampar uma camisa com respostas para as perguntas mais recebidas. A sequência de perguntas é mais ou menos assim: “São todos seus? Do mesmo marido? Você quis? Mas vieram gêmeos em algum momento? Não trabalha? Quer mais filhos? Já fez ligação (laqueadura)?”.

Ela geralmente responde que todos os filhos são dela com o mesmo marido, com quem é casada há 15 anos. Que quis todos os filhos e que não teve gêmeos. Que tem um trabalho flexível e não se negaria a ter mais filhos.

Católica engajada desde a juventude, Juliana enxerga na família um lugar de protagonismo e realização. “Fomos criadas em uma cultura que não favorecia ser mãe, pois isso era visto como atraso, como se atrapalhasse a vida da mulher”, observa.

Com dedicação aos filhos de idades entre um e 13 anos, ela acredita que educar boas pessoas para o mundo é um dos empreendimentos mais gratificantes e essenciais.

Conciliar atividades das crianças de idades diferentes, resolver breves conflitos entre irmãos e proporcionar momentos de brincadeiras e lazer em grupo. Estas são algumas tarefas na rotina das mães com a casa cheia de filhos e corações onde “sempre cabe mais um”, como prevê o ditado popular.

Juliana Salmito, à direita, celebra o Dia das Mães ao lado dos sete filhos – Foto: Arquivo pessoal

Com quatro, cinco e até sete filhos, Juliana, Érika, Lilia e Stela são mulheres que moram em Fortaleza e encontraram alguns minutos de disponibilidade para contar suas histórias.

Escolhas pessoais

Pela quinta vez, os cuidados com um bebê moldam o cotidiano da advogada Érika Pinheiro, de 34 anos. O pequeno Lino, de cinco meses, é irmão do Otávio, 9; da Maria Teresa, 7; da Olívia, 5; e da Cecília, 3. A segunda gravidez veio quando o primeiro filho ainda tinha meses de vida. Diante da notícia, a mãe teve receios sobre a reação dos outros.

“O que vão falar de mim? Como meu chefe vai me ver? Como eu vou ficar comigo mesma? Eu queria voltar a fazer academia, retomar outros projetos profissionais”, eram frases do diálogo interno de Érika. Hoje, ela enxerga que este foi um período de amadurecimento. Foi tempo de reconhecer que a alegria de acolher cada filho seria mais importante que as opiniões alheias.

Os momentos de família em casas com cinco a sete filhos

Érika Pinheiro é mãe de Otávio, com 9 anos; Maria Teresa, 7; Olívia, 5; Cecília, 3 e Lino, de cinco meses — Foto: Arquivo Pessoal

A advogada Érika Pinheiro, de 34 anos, e a empresária e consultora de imagens Juliana Salmito, de 36 anos, relatam a realização como mães de famílias numerosas

Na juventude e no início da vida adulta, os planos de Érika estavam mais voltados para a carreira e os estudos. O projeto de ser mãe não era prioridade, mas foi ganhando força quando ela se decidiu pelo casamento.

Ela não tinha uma quantidade de crianças em mente. No entanto, tinha a família da madrinha, com seis filhos, como referência de família feliz. Além de lembrar daquele lar animado, ela e o marido conheceram um casal que cuidava de 11 filhos. Estas experiências ajudaram Érika a se imaginar em uma vivência semelhante.

“Se eu tivesse limitado a minha maternidade a um ou dois filhos, eu jamais conheceria a Olívia, a Cecília e o Lino. Eu jamais ouviria a risada deles, a voz deles”, considera a advogada, que acredita na maternidade como uma missão.

Até o nascimento do filho mais novo, ela conseguia conciliar o cuidado das crianças com o trabalho em uma empresa. Com a chegada de Lino, decidiu atuar como autônoma na área de formação.

A atividade profissional de Juliana Salmito também permite flexibilidade. Orientando principalmente outras mães, ela faz atendimentos como consultora de imagem e estilo em horários que se ajustam à convivência com os sete filhos.

Ela conta que não houve tédio durante o isolamento na pandemia, pois esteve na companhia do marido Idelfonso e dos filhos Cecília, Tiago, Catarina, Ana, Lucas, Letícia e Idelfonso Filho.

“É sempre divertido quando estamos todos juntos, nós rimos muito. E, à medida que as crianças vão crescendo, vemos as personalidades de cada um. Há confusões, mas existe uma amizade muito forte entre eles. São várias alianças políticas entre os irmãos, eles se coligam o tempo inteiro de acordo com o que querem”, brinca Juliana.

Famílias numerosas

Receber comentários de estranhamento pelo tamanho da família evidencia que estas mulheres representam uma realidade diferente da maioria. No Brasil, a estimativa para a taxa de fecundidade em 2023 é de 1,52 filho por mulher em idade reprodutiva, considerando mulheres entre 15 e 49 anos.

A partir da década de 1960, quando a taxa de fecundidade era de 6,2 filhos por mulher, o modelo de famílias numerosas entrou em declínio no Brasil, conforme aponta o documento Indicadores Sociodemográficos e de Saúde no Brasil – 2009, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Essa taxa deve seguir diminuindo, chegando a 1,5 no ano de 2050. As estimativas do IBGE figuram na revisão de 2008 da Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período 1980-2050.

O estudo sobre as preferências reprodutivas das mulheres faz parte de um dos projetos de pesquisa de Angelita Carvalho, coordenadora do programa de Pós-Graduação em População, Território e Estatísticas Públicas na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), vinculada ao IBGE.

A pesquisa busca entender as motivações de mulheres que gostariam de ter mais filhos e não tiveram, uma tendência mais comum a partir dos anos 2000. A partir destes casos, ela analisa que a decisão de ser mãe envolve um conjunto de fatores.

“O aspecto econômico é o primeiro apontado nos estudos qualitativos. Mas, na prática, os dados mostram que mulheres com mais condições financeiras tendem a ter menos filhos. Então, podemos entender que o fator econômico não é o único. Há muito mais ligação com fatores culturais, preferências. Estamos falando do tempo livre que a mulher quer, dos espaços para construir uma carreira e perseguir realizações pessoais”, detalha Angelita.

Quando se fala de mães com muitos filhos na atualidade, a pesquisadora destaca que os casos mais encontrados em seus estudos são de mulheres de baixa renda com pouco acesso ao planejamento familiar e aos métodos contraceptivos.

“Mulheres com quatro filhos são situações atípicas, é raro vermos todos os dias na rua. É um grupo muito específico, por isso é interessante entender suas motivações”, comenta. Ela aponta que os casos das mães que planejam ter grandes famílias com influência de valores religiosos reforça a importância dos fatores culturais para a decisão pela maternidade.

Um caminho planejado

Com um desejo de ser mãe desde jovem, a psicóloga Lilia Farias buscou aprender sobre o controle da fecundidade a partir do método de ovulação Billings. A técnica natural ensina a observar os períodos férteis a partir das características do muco cervical.

O método é incentivado pela Igreja Católica, que condena os meios contraceptivos, como a camisinha e a pílula anticoncepcional. Foi seguindo este método que Lília e o esposo, Mateus, começaram a se planejar para os momentos em que desejavam ter filhos.

A rotina de mães que optaram por ter muitos filhos

Para o casal Lília e Mateus, ter tido um filho diagnosticado com uma síndrome rara não interferiu na vontade de aumentar a família — Foto: Arquivo Pessoal

O sonho da maternidade é um elemento comum nas histórias da psicóloga Lília Farias, de 32 anos, e da missionária Stela Cavalcanti, de 40 anos

Atualmente, o casal tem quatro crianças: Pedro, 5; Lucas, 4; José, 2; e Luzia, de nove meses. “Para mim, sempre foi uma experiência maravilhosa, mesmo com todas as dificuldades, com o cansaço, com toda a dedicação, sem conseguir dormir direito e tendo dores na amamentação”, relata a mãe.

Quando descobriu que teria o terceiro menino, as pessoas perguntavam a Lília se ela estaria tentando ter uma menina. Os questionamentos mudaram quando este terceiro filho, o José, foi diagnosticado com uma síndrome rara, exigindo dos pais uma rotina de consultas médicas, fisioterapia e cuidados para tratar de atrasos motores, dificuldades na fala e problemas de visão.

“Quando eu engravidei de novo, depois do José, começaram a me perguntar como eu ia dar conta, se eu não tinha medo de que viesse outro (filho) com problema. Eu confesso que nunca pensei nisso, até porque a condição dele não vinha nem de mim, nem do pai”, relata.

Para Lília, o estranhamento de terceiros pode vir da dificuldade em não dominar tudo o que acontece em diversos aspectos da vida. “Do meu ponto de vista, os filhos são presentes de Deus. A gente não tem controle sobre todas as coisas. E eu acredito que os filhos me proporcionam essa graça de me perceber pequena dentro desse mundo que é incerto.”

Ela relata que ter irmãos acaba sendo benéfico para o desenvolvimento de José, com os diversos estímulos durante as brincadeiras e interações em família. Para administrar o cotidiano, Lília também conta com a flexibilidade de trabalhar como gerente comercial na empresa da mãe. Assim, ela divide as demandas profissionais entre momentos presenciais e remotos.

Mudança de foco

São muitas tarefas por dia para manter tudo funcionando. Nem sempre dá para realizar desejos que envolvem gastos maiores. Mas o sentido de alguns sacrifícios está no valor de cada filho, explica Stela Cavalcanti, de 40 anos. Ela é missionária da Comunidade Católica Shalom e é mãe de Ester, 12; Josué, 10; Judite, 7; Rute, 6; e José, 4.

A importância de compartilhar é uma das lições ensinadas aos cinco filhos. Os mais novos comemoram quando a roupa dos mais velhos começa a servir. Os presentes durante o ano são coletivos, como jogos que permitam a participação de todos, enquanto os aniversários trazem presentes individuais.

Stela foi filha única e sempre quis ter irmãos. Agora, vê os filhos ajoelhados perto do altar de casa pedindo mais uma criança. “Nas primeiras gestações, eu achava que não conseguiria. Mas a partir do terceiro filho, acho que a cabeça da gente muda, é diferente. Saem as inseguranças de primeira viagem, a gente curte mais e vê com mais leveza”, compara.

No turno em que as crianças estão na escola, ela consegue se dedicar às atividades como missionária, com momentos de estudo bíblico e atendimentos de outros membros da comunidade para aconselhamento.

Assim como Juliana, Érika e Lília, Stela divide as tarefas com o marido e conta com a ajuda de uma empregada doméstica para a manutenção da casa. Mesmo com esse apoio, a atenção dedicada aos filhos exige tempo.

“Tem vez que eu fico exausta, querendo um momento sozinha. Mas quando estou sozinha em casa, já sinto que ela está vazia e lembro que não quero uma vida sem o sentido que ela tem hoje. Então, para mim, é uma questão de mudar o foco do que é tão difícil para o que vale tanto.”

Durante as refeições, a missionária percebe a alegria de estar em uma família grande e que dedica tempo para se escutar e partilhar experiências. Para Stela, um caminho é se inspirar na abertura que a geração dos avós tinha para a doação e para os sacrifícios em nome de uma vida mais simples e mais feliz.

Fonte: g1

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