Política

Para especialistas, ausências em debates prejudicam eleitores e democracia

Debates eleitorais são fundamentais em democracias modernas por possibilitarem que candidatos se exponham sem o controle típico das propagandas, avaliam especialistas

Quando comparadas às anteriores, as eleições federais de 2022 trazem uma acentuada polarização entre eleitores dos dois primeiros colocados na disputa à Presidência nas pesquisas de intenções de voto. 

Ilustrando essa polarização está a mais recente pesquisa Datafolha, divulgada em fins de maio, que mostra 69% dos eleitores “totalmente decididos” a votar no presidente Jair Bolsonaro (PL) ou no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na pesquisa anterior, de março, 67% dos consultados disseram que já definiram o voto.

Nesse cenário, tanto Bolsonaro quanto Lula têm sinalizado desinteresse em participar dos debates eleitorais do primeiro turno, que se iniciam em 6 de agosto. O motivo é o cálculo sobre o desgaste que podem sofrer ao serem confrontados pelos outros candidatos. 

“Lula e Bolsonaro estão avaliando qual é o efeito de não ir aos debates do primeiro turno, o quanto perdem ou ganham em votos se forem. Como são os líderes das pesquisas, se um dos dois não vai, somente o outro será confrontado pelos outros candidatos. Por isso calculam o desgaste da imagem que vão ter”, observa Amanda Vitoria Lopes, cientista política e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), especialista em eleições e na relação entre os Três Poderes.

“Todos os candidatos têm pontos de desgaste, mas sobretudo os dois primeiros colocados deste ano, porque são um presidente e um ex-presidente, a população já conhece os dois”, completa a cientista política.

Numa entrevista ao Programa do Ratinho que foi ao ar em 31 de maio, Bolsonaro foi enfático ao dizer que não pretende ir aos debates do primeiro turno, pois se for, os outros candidatos vão querer “dar pancada”. 

O receio do presidente, que tentará a reeleição em outubro, se justifica, em parte, na crise econômica, com alta da inflação, do desemprego, dos preços dos combustíveis e da fome no país.  

Por sua vez, Lula afirmou reiteradas vezes que deveria haver apenas dois ou três debates, os quais deveriam ser compartilhados pelos veículos de comunicação interessados. 

Na avaliação de Maria Helena Weber, professora de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista e pesquisadora da comunicação pública, as ausências dos pré-candidatos, se confirmadas em agosto, são um desrespeito com os eleitores e com o processo democrático. 

“Esta decisão político-partidária pretende responder à estratégia de manutenção dos resultados de pesquisa. Neste sentido, a ausência é pragmática, pois obedece à estatística do medo vinculado à possibilidade de perder votos, ou desestabilizar percentuais consolidados devido à postura do candidato e suas reações emocionais, quando exposto a temas negativos e situações controversas da sua trajetória política”, nota a especialista. 

Corroborando essa avaliação, João Villaverde, cientista político, professor e pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da FGV-SP, acrescenta que as ausências prejudicam os eleitores.

“Se essa posição de Lula e Bolsonaro se confirmar, teremos debates entre o terceiro, quarto, quinto e sexto colocados. É indiscutível que há um prejuízo para o eleitorado, porque são os dois mais prováveis vencedores, que têm mais chance de comandar o governo federal, e não há uma oportunidade de vê-los debater”, destaca o cientista político.

Qual é a importância dos debates?

Considerados fundamentais pelos especialistas, os debates são compreendidos como uma das oportunidades para que os candidatos apresentem propostas de soluções para os problemas que afligem os brasileiros. 

Lopes enfatiza que os debates se diferenciam das propagandas eleitorais gravadas pelos partidos no quesito “controle da mensagem e imagem”. “O debate serve para que o eleitor conheça melhor e possa entender as propostas do candidato, além de criar uma identificação.”

Para Villaverde, a importância do debate está justamente na possibilidade de expor os candidatos a perguntas incômodas, semelhante ao que ocorre nas entrevistas ao vivo conduzidas por jornalistas profissionais. 

“Há dois ambientes não controlados numa campanha eleitoral: as entrevistas que os candidatos concedem ao vivo para jornalistas profissionais, em rádio e televisão, e o debate eleitoral. Eles são expostos a perguntas consideradas inconvenientes e precisam responder, porque se abandonarem, sofrem consequências, se ficam mal diante dos eleitores”, considera o especialista.

Acompanhando essa perspectiva, Weber acrescenta que a transmissão de debates permite aos eleitores avaliarem as reações dos candidatos, de modo mais humano e direto.

“Neste cenário polarizado, provavelmente, as reações seriam mais passionais para além da retórica política usual e isto beneficiaria a decisão do eleitor”, observa a comunicóloga.

“O debate pode provocar reações inesperadas entre os candidatos e isso inquieta os espectadores. Mesmo treinados para esta encenação, os personagens candidatos demonstram fisicamente e em seus discursos, a sua postura, o seu respeito ou desrespeito ao adversário e aos temas circulantes”, acrescenta Weber.

Villaverde chama atenção para o nível de polarização do país, considerado maior do que o de 2018. “Agora temos o polo antipetista, que é uma força social relevante, e temos o polo antibolsonarista, que não existia em 2018. Há milhões de homens e mulheres que votarão mobilizados apenas para afastar Bolsonaro da Presidência. São pessoas que consideram menos importante quem vai ser o presidente do que interromper o governo Bolsonaro.” 

Embora uma maioria de eleitores indiquem nas pesquisas que já definiram o voto, os debates ainda assim podem fazer diferença na decisão final, de acordo com os especialistas.

“O debate em si tem um poder baixo de conversão e de definição do voto, mas é um momento de exposição dos candidatos e, ainda que seja uma porcentagem menor neste ano, pode influenciar no voto dos indecisos”, aponta Lopes.

“Nessa situação muito polarizada, com pessoas já formando a opinião do voto antes mesmo das candidaturas formalizadas, é muito importante ter debate, porque no debate se cristalizam as opiniões, principalmente para quem quer votar em qualquer um, desde que não seja o Bolsonaro ou o Lula”, completa Villaverde.

Não seria a primeira vez que os debates sofrem desfalques

O cientista político relembra que essa não é a primeira vez que os debates eleitorais ficam desfalcados. Em 2018, quando o PT ainda não havia formalizado a candidatura de Fernando Haddad e manteve Lula, já preso, até o último instante como candidato à Presidência, sobraram poucos debates para Haddad participar. 

Por sua vez, Bolsonaro despontava como segundo colocado e sofreu uma facada durante a campanha eleitoral, em setembro daquele ano, o que justificou e favoreceu suas ausências nos debates do segundo turno.

Villaverde ressalta que em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso também não participou dos debates, pois as pesquisas de intenção de voto apontavam que ele venceria já no primeiro turno, o que de fato ocorreu. “Mas ele foi exposto a jornalistas profissionais em várias ocasiões e foi colocado diante de temas incômodos para ele”, pontua o especialista. 

Crítico do formato dos debates televisivos brasileiros, Villaverde considera que há pouco tempo disponibilizado para que os candidatos formulem propostas de políticas públicas. 

“São poucos minutos para falar, cortam o microfone, aí tem um minuto de réplica, mais 30 segundos de tréplica. É quase impossível concatenar uma ideia aprofundada sobre qualquer política pública. Isso faz com que não seja um debate de ideias, mas um espetáculo de ataques e reações”, avalia o cientista político.

Além disso, para ele, os debates são feitos em curtos intervalos de tempo numa mesma semana, e em horários pouco acessíveis para uma parte da população.

“Alguns são transmitidos tarde da noite do domingo para quem trabalha e busca emprego. É difícil acompanhar e maturar as ideias, por isso defendo que os debates deveriam ser mais espaçados e com horários mais adequados para os eleitores”, complementa Villaverde.

Fonte: O Tempo

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