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Pastor de Goiás organizou atos golpistas em Brasília com codinome feminino

Segundo reportagem do Correio Braziliense, o influenciador digital com 106 mil seguidores nas redes sociais, um pastor de Goiás utilizou a influência para coordenar caravanas e planos de ação para os atos golpistas de 8 de janeiro. No entanto, para não ter a identidade revelada, Thiago Bezerra, líder da igreja Amor Supremo em Goiânia (GO), adotou o codinome “Regina Brasil” no Telegram para mobilizar e conduzir centenas de bolsonaristas para Brasília, com intuito de depredar e ocupar as sedes dos Três Poderes, além de supermercados e refinarias de combustíveis.

Apesar de ter ocupado posto de liderança na organização dos atos e ainda ter transmitido ao vivo a invasão do Congresso, na conta do Instagram, o pastor não foi preso junto aos outros 1,4 mil bolsonaristas.

“É guerra”, afirmava a todo tempo o religioso no grupo, sob nome de Regina Brasil. As informações são do repórter Chico Marés, da Agência Lupa. Apesar de ter ocupado posto de liderança na organização dos atos e ter transmitido ao vivo, pelo Instagram, a invasão do Congresso, o pastor não foi preso na manhã seguinte aos golpes, quando 1,4 mil pessoas foram detidas. Ele também não foi detido nas operações seguintes.

Nas redes sociais, Thiago mostra que está, ao menos, desde 25 de novembro no acampamento bolsonarista em frente ao Quartel-General do Exército, no Setor Militar Urbano, em Brasília. Foi de lá, longe da comunidade de fé que dirigia, que ele atuou com empenho para trazer o máximo de extremistas a Brasília e a orientá-los sobre quais prédios públicos seriam invadidos — e como seriam.

No grupo, o pastor chegou a pedir, em 5 de janeiro, doações via PIX para custear 10 ônibus que trariam 500 pessoas “da tribo que mexe com chá” — não se sabe o que o codinome significa. O custo do transporte era de R$ 150 mil e o valor precisava ser reunido em menos de 24h.

O pedido “urgente” foi feito por Thiago em áudio, o que revelou a identidade masculina de Regina Brasil e mostrou que era o religioso que estava por trás da coordenação dos atos, já que a voz é semelhante à que é ouvida nos vídeos compartilhados pelo religioso nas redes sociais. Além disso, a chave PIX dada pelo bolsonarista para arrecadar as doações é o CPF de Thiago.

Apesar de usar o codinome Regina Brasil, um dos usuários do grupo de bolsonaristas chamou o pastor pelo nome em uma ocasião(foto: Agência Lupa/Reprodução)

Em outras mensagens de voz, o pastor também chamou os atos de “guerra” e afirmou que era para os extremistas estarem preparados para “dormir no chão seco” e ter “barrinhas de nutrientes para aguentar três dias”, o que mostra a intenção de invadir e ocupar os espaços públicos até que houvesse uma mudança no governo.

Pastor e participantes do grupo organizavam uma “festa”

No grupo chamado, inicialmente, de Restaurante Los Hermanos, o religioso organizava os atos para 15 de janeiro, no domingo posterior ao que ocorreu os atos. O movimento, no entanto, era chamado de “Festa da Selma”, uma das dezenas de codinomes utilizados pelos golpistas para se referir às invasões.

Em desenhos disponibilizados por Thiago em 4 de janeiro, o plano foi detalhado. Uma primeira imagem resume os direcionamentos: com o nome Festa no centro, um quadrado foi dividido em quatro partes, nas quais cada uma se referia a uma orientação: 1) onde; 2) quando; 3) quem; e 4) como.

Outra imagem detalhou o “onde”, local em que a “festa” seria realizada: Jericó, que se referia às Praças dos Três Poderes; Açúcar refinado, como eram chamadas as refinarias de combustíveis; Distribuidor açúcar, que eram as distribuidoras de combustíveis; e Frente dos supermercados — aqui, primeiramente, não foi usado codinome; o intuito era bloquear a circulação de brasilienses em frente aos centros comerciais de venda de produtos. Mais tarde, a Frente dos Supermercados foi renomeada para “pombal”.

No mesmo dia em que compartilhou o plano, Thiago enviou dois áudios de três minutos em que reprovava a atitude de alguns bolsonaristas que marcaram, à época, os atos para 7 de janeiro. Apenas dias depois, o pastor concordou com a ideia.

Nos áudios, o pastor também disse ser preciso que o grupo se “levante ordenadamente” e que “algumas pessoas acham que estão indo manifestar”, mas que “agora estamos indo para uma guerra”. “É válido a gente lembrar que tem que estar preparado para colocar gás lacrimogêneo dentro das narinas, tem que estar com calças longas para aplacar as balas de borracha. Nós viramos a resistência do Brasil”, esbravejou o religioso.

O pastor também repreendeu os participantes que acreditavam que o ato seria algo rápido. “Não é para ir para Brasília um dia e voltar no outro. Um dia não vai resolver o problema da nação. Manda as crianças para casa do vovô e vem para a guerra”, aconselhou.

Thiago também previu a prisão “de muitos” e pediu que os participantes estivessem preparados para ficar acampados dentro dos espaços públicos “até ter uma resposta”. “Nós só temos esses dias. Tem que vir preparado para dormir no chão seco, com barrinha de nutrientes para aguentar três dias. Ah, tem gente que fala que é para passar o dia lá e voltar para dormir no QG, mas não vai acontecer. Se for assim, fica em casa”, rebateu.

Dois dias depois, no dia 6, Thiago usou o Instagram para compartilhar um vídeo intitulado “A Festa da Selma”, no qual convocava bolsonaristas a “mandar uma mensagem” para os “corruptos”.

Em 7 de janeiro, um usuário chamado Lima Lima, que em uma das mensagens respondeu “Regina Brasil” como “Pr. Thiago”, compartilhou, no grupo do Telegram, os detalhes sobre o que seria feito em cada alvo dos golpistas.

Em Jericó, planos para quatro prédios nomeados como Caverna dos morcegos, Varanda dos senhores, Pista do debutantes e Rampa do Skate foram revelados. A instrução para todos era para que os “convidados” entrassem nos locais e ficassem “à vontade”, “mas sem bagunçar”. No entanto, “os convidados fora da caverna fazem festa no quintal”.

Pastor fez live em frente ao Congresso em 8 de janeiro

Logo após a invasão dos bolsonaristas nas sedes dos Três Poderes, Thiago fez uma transmissão ao vivo, pelo Instagram, entre os invasores. No começo do vídeo, é possível ver ele responder a uma pergunta de outro golpista. “Lá em cima já tá tomado?”, questiona um extremista. “Já, já tá tomado. Agora é aqui”, responde o religioso.

Thiago relata, na transmissão, que está com os olhos irritados por gás lacrimogêneo, mas que está presente na “guerra”. “Se você quer sair da sua casa para ir para uma manifestação, fique na sua casa. Porque aqui é guerra”, frisa. O religioso ainda reclama que os “patriotas estão sendo tratados como bandidos”.

Participou da transmissão o jornalista Oswaldo Eustáquio, atualmente foragido, que convocou outros mobilizadores. “Se o povo ocupar a praça, não há como a polícia conter o povo. Povo de Brasília, vão para a Praça dos Três Poderes”, declarou o foragido.

Pouco depois, nos stories do Instagram, o pastor pediu que os seguidores seguissem uma conta reserva na rede social e mostrou que estava dentro de um prédio público. Em seguida, ele apareceu em outro vídeo e disse que “teve que se retirar rapidamente” do local porque “o celular está com apenas 1% de bateria”. “Eu estou bem, viu? Deus abençoe”, disse.

Depois da invasão, pastor acusou “infiltrados” pela depredação dos prédios públicos

Em 9 de janeiro, Thiago gravou um vídeo, ao lado do militante de extrema-direita Renato Gasparim, para afirmar que é contra a “quebradeira” e a “depredação”. O religioso afirmou que os estragos foram feitos por “infiltrados”, mas não apresentou nenhuma evidência para provar a acusação.

No grupo do Telegram, no mesmo dia, o pastor pediu doações para “patriotas” que estavam necessitados de auxílio. Thiago também enviou links de publicações nas redes sociais que mostravam o religioso na invasão e pediu que os participantes denunciassem as contas.

Em liberdade, Thiago continua ativo no Instagram e posta vídeos com críticas à esquerda e também mensagens religiosas. Os vídeos da invasão foram apagados, mas há, ainda, registros dele no acampamento bolsonarista de Brasília, entre novembro e dezembro de 2022.

Procurado pela Lupa, Thiago não respondeu à agência sobre o caso. O Correio também entrou em contato, via Instagram, com o religioso, mas não obteve resposta até a última atualização desta matéria.

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