Prova tem ‘fadinha’ Rayssa, Chico Science e não reconhecimento de resultado eleitoral
Quase 3,4 milhões de pessoas se inscreveram para fazer as provas. Neste domingo, alunos responderam perguntas de ciências humanas e de linguagens, além de escrever uma redação.
O primeiro domingo de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2022 trouxe questões sobre:
- a “fadinha” skatista Rayssa Leal, em uma reflexão sobre a participação das mulheres no mundo do skate;
- violação do estado democrático de direito; cuja resposta correta é a que apontava como conduta equivocada a “supressão de eleições de representantes políticos”;
- o livro “Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada” (1960), da brasileira Carolina Maria de Jesus, relembrando o preconceito que ela sofreu de um tenente em uma delegacia;
- o movimento Manguebeat, citando a importância do cantor Chico Science na valorização da cultura pernambucana;
- a obra “As Veias Abertas da América Latina” (1971), do jornalista Eduardo Galeano, mencionando incas, maias e astecas;
- um trecho de “Nu, de botas” (2013), sobre a infância do escritor Antonio Prata;
- variação linguística em contextos socais, com um excerto de “Comédias para se ler na escola“, de Luis Fernando Veríssimo;
- a música “Pensei que fosse o céu”, de Vander Lee;
- positividade tóxica e as redes sociais.
- acesso à tecnologia e democratização da informação, abordando também pessoas com deficiência;
- papel da mulher na sociedade;
- esporte, da importância da atividade física à violência nos estádios de futebol;
- presença de textos de apoio e veículos de diferentes estados do Brasil;
- um trecho de uma música da cantora argentina Mercedes Sosa, na prova de espanhol
A prova também mencionou a seguinte tirinha, sobre a falta de acesso à internet por alunos de baixa renda:
A questão ‘mais importante’
Para o professor de história Guilherme Freitas, das Escolas SEB, as questões da disciplina estavam levemente diferentes das de anos anteriores, mais interpretativas. E ele destaca como mais relevantes o item que falava sobre estado democrático de direito.
“A questão mais importante da prova foi a que definia o que é Estado de Direito e perguntava qual, dentro das alternativas, violava o Estado de Direito. E a alternativa correta falava sobre o não reconhecimento das eleições”, explicou o professor.
Naturalização do papel da mulher na sociedade
Ao menos quatro questões traziam a discussão do papel da mulher na sociedade. “Tivemos o papel dela no Segundo Reinado, uma mulher que que lê mais, que consome mais informações”, diz Vinicius Beltrão, coordenador de ensino e inovação do SAS Plataforma de educação.
“Outra questão trazia uma imagem de um cartaz com a frase ‘mulher no volante, perigo constante’, com esse último trecho riscado e substituído por ‘estrada a diante’, que aborda visões preconceituosas do homem e da mulher na sociedade. Era uma questão muito clara.”
Uma única questão abordava o feminicídio, um infográfico que culminava na morte da mulher. “Todas as outras vai trazer a naturalização do papel da mulher, de como ela foi ganhando seu espaço na sociedade também, e principalmente como devemos ver homens e mulheres, da mesma forma, sem preconceitos e estereótipos.”
Esporte
Três questões abordavam o esporte e, principalmente, a importância da atividade física. Uma delas, trazia a discussão da violência dentro dos estádios de futebol. Uma segunda trazia dados do IBGE em que mostrava a quantidade de pessoas sedentárias, dos mais jovens que não praticam nenhum esporte.
“Mais uma de esporte mostrava um estudo em que pessoas usavam relógios ou pulseiras que monitoram a saúde, e com isso, elas eram estimuladas a praticar mais atividades físicas por um incentivo financeiro”, diz Vinicius Haidar, gerente de avaliações e pré-universitários no SAS. “Segundo o estudo apresentado, as pessoas praticavam mais de acordo com esse incentivo financeiro.”
Cobertura geográfica
Chamou atenção dos professores na prova deste ano a cobertura geográfica mais ampla. “Tivemos a presença de textos de apoio e veículos de diferentes lugares do Brasil. A prova procurou trazer a proximidade com os estudantes de praticamente todas as regiões do país”, diz Haidar, do SAS.
“Não foram fontes concentradas, e por consequência as temáticas das questões trabalharam o Nordeste, Norte, Sul, Sudeste. Foi uma prova bem ampla.”
Para o professor de geografia Rodrigo Magalhães, da Plataforma AZ, apesar de ter chamado atenção a baixa quantidade de questões de história, havia um grande número das de sociologia, com destaque para os saberes tradicionais de diferentes regiões do país.
“Tinha uma questão, por exemplo, que falavam de mulheres paneleiras, de Vitória (ES). Outra falava de uma relação que populações tradicionais fazem na Caatinga, no sertão brasileiro, para saber se vai chover ou não, colocando pedrinhas de sal na janela. Eram umas questões ligadas a sociologia que me chamaram a atenção”, diz Magalhães.
Mercedes Sosa
As questões sociais apareceram até mesmo nas provas de língua estrangeira. Um trecho de uma música da cantora argentina Mercedes Sosa na prova de espanhol trouxe um recorte sobre crianças vulneráveis. “A música questiona se o futuro da nação está nas mãos das crianças, essas crianças estão em uma situação muito difícil”, explica Beltrão, do SAS.
“A gente tem que se preocupar com esse futuro. Era um recorte da obra de Mercedes Sosa dando voz às pessoas marginalizadas da América Hispânica como um todo, e com a projeção de um futuro incerto devido às desigualdades sociais.”
1º dia de prova
Neste primeiro dia de prova, os candidatos têm de responder a 45 perguntas de linguagens e a 45 de ciências humanas, além de escreverem uma redação sobre o tema ” Desafios para valorização de comunidade e povos tradicionais no Brasil”.
O Enem termina às 19h, mas, desde as 15h30, os alunos puderam deixar os locais de prova sem serem eliminados. Quem permanecer na sala até as 18h30 poderá levar para casa os cadernos de questões e conferir posteriormente o gabarito.
Redação sobre povos tradicionais
O tema da redação do Enem 2022 é “Desafios para valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”.
Para professores de cursinhos ouvidos pelo g1 neste domingo (13), o assunto é relevante e “a cara da prova”.
“Estamos falando de minorias sociais históricas, que são grupos que sofrem e sofreram opressão. São grupos importantíssimos para o país”, diz Roberta Panza, professora e autora do Colégio e Sistema pH.
Na avaliação de Daniela Toffoli, coordenadora de Linguagens do Curso Anglo, “é um problema de ordem social que, portanto, vai levar o aluno a pensar em uma proposta de intervenção que valorize os direitos hunamos”.
O que colocar na argumentação?
Toffoli destaca que o fato de o tema já dizer que existem desafios para que se valorize estas comunidades e povos tradicionais faz com que seja possível pensar, por exemplo:
- no “passado histórico escravocrata em que os indígenas foram escravizados e nessa mentalidade de que são povos inferiores, de que não foram inseridos na sociedade de forma adequada ainda predominam nos dias de hoje”;
- na falta de representatividade política desses grupos;
- nos conflitos com atividades econômicas, “como o agronegócio que, a partir do momento em que se sobrepõe à preservação destes povos, faz com que sejam desvalorizados”, opina a professora.
Estrutura da dissertação
Na avaliação da professora da Stoodi Letícia Flores, o tema da redação dialoga diretamente com a proposta do Enem 2021, sobre a dificuldade e acesso ao registro civil, que atinge fortemente os povos tradicionais.
“Esse tema de redação traz para o aluno a oportunidade de refletir a respeito da sua identidade brasileira”, afirma.
De acordo com ela, a partir do tema proposto, o candidato tem que estruturar a dissertação da seguinte forma:
- pensar qual é essa situação-problema para apresentar na sua introdução;
- definir um ponto de vista para defender em relação a essa frase temática;
- mostrar quais são os desafios no desenvolvimento do seu texto, trazendo os dados para sustentar seu ponto de vista apresentado na introdução e já apontando caminhos para enfrentar esse problema na sua proposta de intervenção.
Manifestações culturais ancestrais
Maria Aparecida Custódio, professora do Laboratório de Redação do Objetivo, destaca que o tema fala de povos indígenas, mas também de outras comunidades que dificilmente são lembradas, “como os ciganos, os extrativistas, os pescadores, os quilombolas, e tantas outras comunidades que têm um papel importantíssimo de proteção do território e da terra”, diz.
A professora de redação da Plataforma AZ de Aprendizagem Marina Rocha ressalta que a proposta inclui povos cujas manifestações culturais brasileiras ancestrais não se organizam de acordo com a lógica urbana central e possuem uma característica central que é a dependência dos recursos naturais para manter a sua cultura.
“São grupos que não querem apagar essas diferenças, que trazem uma marca tradicional de determinadas regiões ou de determinada origem e, portanto, eles precisam de certas políticas públicas para sobreviver”, diz.
Wellington Borges Costa, coordenador de redação do Curso Etapa, lembra que o tema aborda aspectos sociais, culturais e ambientais.
“Estamos falando de comunidades, de organizações sociais diferenciadas. Minorias que se organizam, sobretudo, pelo aspecto cultural. São culturas e comunidades que definem identidades, com religiosidades e ancestralidades diferenciadas. E o aspecto ambiental, principalmente, porque o denominador comum entre essas comunidades tradicionais é, justamente, a parceria com a natureza”, avalia.
Na visão de Tatiana Nunes, professora do Colégio Mopi, o tema proposto é amplo pois abraça a geografia, a história, as linguagens, integrando as demais áreas do conhecimento cobradas na prova.
“É extremamente necessário falar dessas comunidades tradicionais brasileiras, pois falar sobre elas é falar sobre traços culturais e identitários, que caracterizam o país, no caso, o Brasil”, completa.
Confira o tema da redação do Enem em outros anos
- Enem 2021 – “Invisibilidade e Registro Civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”
- Enem 2020 – ” O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”, na versão impressa; e “O desafio de diminuir a desigualdade entre regiões no Brasil”, na digital.
- Enem 2019 – “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”.
- Enem 2018 – “Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”
- Enem 2017 – “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”
- Enem 2016 – “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”.
- Enem 2015 – ” A persistência da Violência contra a Mulher na Sociedade Brasileira”.
- Enem 2014 – “Publicidade infantil em quetão no Brasil”
Fonte: g1