Recusa de Claro, Tim e Vivo em fornecer internet para alunos pobres entra na mira do Cade e MPF
A decisão das operadoras Claro, Tim e Vivo de desobedecerem determinações da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e se recusarem a vender linhas de dados para atender programas de conectividade para alunos pobres e professores entrou na mira do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e do Ministério Público Federal.
A Procuradoria da República no Distrito Federal instaurou uma notícia de fato a partir de reportagem da Folha de S.Paulo, no início do mês. Ignorando determinações reiteradas da Anatel, as três empresas têm negado a venda dos chamados perfis elétricos (que carregam os dados nos chips) para programas de escolas públicas do Amazonas e de Alagoas. Trata-se de uma conexão esperada para 650 mil alunos.
Alagoas e Amazonas fizeram licitações vencidas pela empresa Base Mobile. As contratações preveem fornecimento de acesso com filtros, que permitam apenas o uso da internet para fins educacionais, e chips chamados de neutros. Nesse modelo, é possível trocar de operadora remotamente -o objetivo, nesse caso, é se adequar à existência e à qualidade da cobertura na residência dos estudantes.
As empresas são contrárias a esses termos e se recusam a vender a preço de mercado as linhas de conexão. Um dos principais argumentos é de que a Base Mobile estaria fazendo revenda da conexão e não estaria autorizada pela legislação a esse tipo de serviço.
Mas esse entendimento já foi rechaçado pela Anatel, que regula o setor. A própria agência tem brigado na Justiça contra as operadoras e provocou o Cade.
Com base em ofício da agência reguladora, o conselho já abriu procedimento preparatório de inquérito para apurar irregularidades na atuação combinada das empresas, que juntas concentram 98% do mercado de telefonia móvel. O Cade investiga se há abuso de poder econômico por parte das operadoras.
A postura das empresas ainda provocou reações políticas. A Frente Parlamentar Mista de Educação encaminhou ofício para o órgão nesta semana pedindo apuração de suposto “abuso de posição dominante”.
Os projetos de Amazonas e Alagoas ocorrem no âmbito de lei federal que determinou o repasse de R$ 3,5 bilhões aos estados para garantir internet a 22 milhões de alunos pobres registrados no CadÚnico (usado no Bolsa Família) e a professores da rede pública. Os prejuízos de aprendizagem causados pelo fechamento das escolas na pandemia motivaram a criação da lei.
“A luta para aprovarmos a Lei da Conectividade foi longa, e essa demora para aplicação é inaceitável. São mais de 600 mil alunos que podem ficar sem acesso à internet” disse, em nota, a deputada Tabata Amaral (PDT-SP).
“Alunos e professores de Alagoas e do Amazonas seguem sem acesso à internet pela recusa de empresas de telecomunicações em oferecer o serviço, apesar de licitado”, afirmou a deputada Ana Pimentel (PT-MG), também por nota.
As operadoras questionaram as licitações, e Tim e Vivo levaram o caso para a Justiça. A AGU (Advocacia-Geral da União) tem atuado nas duas ações que questionam as determinações da Anatel.
O primeiro processo é um mandado de segurança impetrado pela Tim que tramitou na 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do DF. Sentença do juízo negou o pedido da empresa, reconhecendo a “inexistência de direito líquido e certo a amparar a pretensão da operadora”.
A Tim, no entanto, entrou com recurso no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Segundo informações da AGU, o relator do recurso, desembargador Marcelo Albernaz, deferiu o pedido e suspendeu a eficácia da decisão cautelar da Anatel até julgamento da apelação pelo TRF-1.
A AGU irá recorrer desta decisão, informou o órgão.
A segunda ação, da Telefônica-Vivo, também está em curso na 6ª Vara Federal do DF. Ainda não há sentença, mas o pedido de antecipação de tutela requerido pela operadora foi negado.
A reportagem questionou as três operadoras. Todas informaram que não responderiam à reportagem e seguiriam um posicionamento único do setor, por meio da Conexis, entidade que reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade.
Em nota, a Conexis questionou os modelos de editais vencidos pela Base, que teriam “graves irregularidades” técnicas e regulatórias. “Este modelo criado levou à redução da concorrência e a preços superiores aos praticados pelo mercado de telecomunicação para comercialização de chips para provimento de conectividade, com danos evidentes não apenas aos cofres públicos, mas também aos alunos e professores”, diz a nota.
O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse à Folha de S.Paulo que o imbróglio não envolve questões comerciais e de preço.
A coluna Painel S.A. mostrou, no último dia 14, que as operadoras preparam ofensiva judicial contra o modelo que envolve os chamados chips neutros.
Além de Amazonas e Alagoas, a Base conquistou editais da Bahia, de Goiás e de um consórcio de redes de ensino de Santa Catarina. Nos três últimos casos, os projetos ainda estão sendo implementados.
Essas licitações, somadas, preveem internet para 1,2 milhão de estudantes dos ensinos fundamental e médio. Os editais falam em contratações de softwares ou plataformas com exigência de controle de acesso somente para conteúdos educacionais, o que exige filtros. O Marco Civil da Internet veda que operadoras façam filtragem de conteúdos.
Os contratos de Amazonas e Alagoas valem R$ 109 milhões e R$ 60 milhões, respectivamente. Além de filtros de conteúdo e chips neutros, exigem controle e gestão de uso de dados.
A lei que destinou R$ 3,5 bilhões para conectividade dos alunos foi aprovada pelo Congresso em 2021 e vetada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Os parlamentares, entretanto, derrubaram o veto e, no fim do ano passado, os recursos foram transferidos para os estados.