Repressão do regime do Irã enfrenta dilema com geração Z, cada vez menos religiosa
Quando os iranianos foram às ruas em setembro passado para protestar contra a obrigatoriedade do véu, o regime reagiu com força: agrediu, prendeu e matou. Como a revolta não arrefeceu, Teerã está testando novas medidas nestas últimas semanas, como instalar câmeras de segurança para vigiar -e punir- os dissidentes.
Nada disso vai resolver o impasse social, diz o analista Alex Vatanka, do centro de pesquisa Middle East Institute, baseado nos Estados Unidos. “A única resposta do regime é a repressão, com a esperança de que o problema suma, algo que não vai acontecer.”
Uma das questões fundamentais, afirma ele, é a incompatibilidade entre o regime islâmico e uma população cada vez mais jovem e menos religiosa. O Irã já não é o mesmo país que, em 1979, derrubou o xá Mohamed Reza Pahlevi e instituiu uma teocracia baseada na gestão dos clérigos com um aiatolá no comando.
Nos últimos anos, os iranianos protestaram contra diversas questões sociais. Pediram abertura política, por exemplo, sem sucesso.
A onda mais recente de manifestações começou quando a polícia prendeu Mahsa Amini, 22, e a acusou de violar as regras de vestimenta –mulheres têm de cobrir o cabelo com o véu no país. A morte de Amini sob detenção enfureceu uma população já insatisfeita. Desde então, o regime deteve quase 20 mil pessoas, e ao menos 530 morreram durante a repressão, segundo ativistas de direitos humanos iranianos.
Para Vatanka, é importante olhar para além do véu. Essa não é uma onda de protestos contra a prenda islâmica, mas sim contra um regime incapaz de ceder e mudar, diz. E a situação tende a piorar. Não só porque a causa da insatisfação segue inalterada, mas também porque a economia do país só tem degringolado nos últimos anos, fruto das sanções estrangeiras e do auto-infligido isolamento internacional.
Uma das razões pelas quais o regime é tão avesso a mudar é que as classes governantes enxergam coisas como a obrigatoriedade do véu como pilares fundamentais da república islâmica de 1979.
“Eles pensam que, se cederem agora, amanhã a população vai pedir uma mudança na política externa em relação aos EUA, depois vai querer reconhecer o Estado de Israel e os direitos da população LGBT”, diz Vatanka. “Nesse caso, eles vão ter que se perguntar: afinal quem somos nós?”
A resposta, por ora, tem sido: somos um regime conservador justificado pela fé. Isso explica por que o aiatolá Ali Khamenei vem incentivando a população a agir quando vê uma mulher nas ruas sem o véu–uma cena cada vez mais frequente, desde os protestos de 2022.
Há algumas semanas, um homem jogou iogurte na cara de uma desvelada. O vídeo viralizou. “É uma receita para a anarquia. O regime está colocando as pessoas umas contra as outras.”
A ideia de instalar câmeras e vigiar as mulheres indica que o regime segue buscando maneiras de não se transformar. Vatanka explica que o Irã está comprando equipamento da China e aprendendo com a Rússia a monitorar a sua população. Quem violar o código de vestuário pode receber um alerta do regime por mensagem de texto no celular.
É difícil que a medida funcione. Primeiro, porque o país não tem recursos para tais arroubos. Além disso, diz Vatanka, “o Irã não é a Coreia do Norte”. “É um país com uma história de conexão com o restante do mundo, com uma diáspora de milhões de pessoas. O regime não pode ganhar a disputa, e eles sabem disso.”
Já há, inclusive, vozes dissidentes dentro do próprio regime. Gholam-Hossein Mohseni-Ejei, chefe do Judiciário, disse recentemente que a repressão não vai resolver a crise do véu. “Problemas culturais têm de ser resolvidos de maneiras culturais”, afirmou, segundo a mídia local.
Um dos argumentos usados por alguns analistas é que o regime teme alienar as fatias mais radicais de sua população, aquelas que sustentam o poder. Vatanka discorda. “Não acredito que ainda haja muitos linha-dura que matariam pelo regime”, diz. Há casos de indivíduos agindo por conta própria em defesa da lei do véu. O analista cita o episódio do iogurte. Mas há também as massas que têm ido para as ruas.
“A geração Z está mais madura politicamente e também mais mobilizada”, afirma, referindo-se àqueles nascidos entre 1990 e 2010. “A tendência é haver cada vez mais protestos, e o regime é no final das contas o motivo pelo qual a população tem se radicalizado.”