Serviço de inteligência alertou Torres que CACs queriam “sitiar Brasília”
Documento enviado à cúpula da SSP detalha que, antes da viagem de Anderson Torres aos Estados Unidos, a inteligência da pasta fez um relatório endereçado ao ex-secretário sobre o potencial risco das manifestações do 8 de janeiro.
Um relatório da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), emitido no dia 6 de janeiro — dias antes dos atos golpistas de 8 de janeiro —, mostra que a área da inteligência alertou sobre a convocação de atos. O documento aponta que Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) queriam “sitiar Brasília”. O relatório foi emitido no mesmo dia em Anderson Torres viajou aos Estados Unidos.
Torres está preso desde 14 de janeiro, no 4° Batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal. No relatório elaborado pela Subsecretaria de Inteligência da SSP, responsável por assessorar o secretário sobre possíveis tomadas de decisões, a área da pasta emitiu alertas sobre os atos do fim de semana de 8 de janeiro.
“Circula divulgação sobre a realização dos atos, em Brasília, entre os dias 06 e 8 de janeiro, com vinda de caravanas de outros Estados, em oposição ao atual governo federal. Em desdobramento, a partir do dia 9 de janeiro, estaria prevista a realização de uma “greve geral”. Entre as eventuais ações estariam invasão a órgãos públicos e bloqueio em refinarias e/ou distribuidoras e combustíveis”, cita o resumo do documento enviado pela inteligência.
A inteligência apontou que, em 5 de janeiro, verificou situções que dariam início ao potencial ataque a sede dos Três Poderes, como estacionamento de terra com acesso bloqueado e com quatro tendas; recolhimento de material pelos militares em tendas desocupadas; e presença de cerca de 100 pessoas em frente do Quartel-General do Exército. Esses monitoramentos ocorriam por meio de drones. “Em que pese a mencionada desmobilização, nota-se convocação para novas mobilizações pelas redes sociais e previstas para ocorrer em Brasília contra o atual governo federal”, diz o documento.
Os investigadores apontaram que ocorreriam mobilizações de oposição contra o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entre os dias 6 e 8 de janeiro. A convocação, intitulada “Tomada de Poder pelo povo”, previa a invasão, inicialmente, no Congresso Nacional. Os organizadores, segundo o monitoramento da inteligência, eram autodenominados “patriotas”. Além deles, os integrantes do movimento também seriam dos segmentos do agronegócio e caminhoneiros.
O monitoramento da pasta era feito também por meio das redes sociais. Os membros citam que, em transmissão realizada ao vivo em uma rede social, os manifestantes davam ênfase para as manifestações a partir de 7 de janeiro, com a participação de pessoas e vinda de caravanas de outros estados. “Assinala-se ainda grupo de mensagem, no qual os integrantes seriam pessoas conhecidas por CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) e com postagens sobre ‘sitiar Brasília’ e que denotam a intenção de prática de atos de violência no dia 8 de janeiro”, destaca o relatório.
Preparo físico
A inteligência, no documento endereçado à cúpula da SSP, detalha que, no monitoramento feito pela equipe, foi constatada uma orientação curiosa por meio dos manifestantes: fossem adultos e com boa condição física. A orientação, nos grupos de WhatsApp e Telegram, é que fosse vedada a participação de crianças e “daqueles que apresentam dificuldade de locomoção”.
Após os atos, os manifestantes planejaram fazer uma “greve geral” no país em 9 de janeiro. Os atos entraram no radar da Inteligência em 3 de janeiro, principalmente após uma hashtag pedindo a greve ter sido levantada pelo Twitter. Apesar disso, a inteligência detalhou que, apesar dos atos, as informações eram inconsistentes sobre os dias, horários e locais das manifestações.
“Destaca-se que um dos organizadores alega ser liderança entre os caminhoneiros, todavia, como corrobora em eventos passados, o mesmo não tem representatividade junto ao segmento. Outrossim, a divulgação da mobilização prevista ocorreu recentemente (3 de janeiro), e, geralmente, manifestações com prazo exíguo comprometem a organização dos atos, a vinda de caravanas dos outros Estados e a adesão de público geral”, completa o relatório da inteligência.
CPI na CLDF
No depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, o coronel da PMDF Jorge Henrique da Silva Pinto — que ocupava um cargo na Subsecretaria de Inteligência — detalhou que enviou alertas, na véspera dos atos do 8 de janeiro, nos grupos de WhatsApp. Ele confrontou uma versão do depoimento de Torres à PF, quando o ex-secretário disse que a inteligência da pasta o municiava de informações estratégicas, mas que não foi informado dos movimentos para os atos.
“A princípio, ele estava no grupo Difusão. O alcance desse grupo era exatamente o secretário de Segurança Pública. Se ele não estava exercendo (o cargo), o destinatário dessas informações (da inteligência) seria o secretário-executivo”, garantiu o coronel.
À CPI, o coronel esclareceu que a inteligência exerce duas funções: suporte ao secretário da pasta para tomada de decisões — no âmbito da inteligência — e assessoramento a todas as outras subsecretarias. Sem acompanhamento de um advogado, o policial pontuou que todos os monitoramentos foram repassados aos superiores. Na data, segundo o coronel, quem respondia pela SSP-DF era o então secretário-executivo Fernando de Sousa Oliveira, que, no início do mês, apontou Anderson Torres como responsável pelo órgão.
“Teve dois momentos de repasse de informações. O primeiro, que foi elaborado um relatório de inteligência mais completo e, depois da criação da cédula, foram estabelecidos os grupos (no WhatsApp). Todo o tipo de conhecimento, dado ou informação relativo aos eventos, foram repassadas no grupo. Esse grupo permitiu que a gente elaborasse essas frações que chegavam ao secretário-executivo. Todas as informações que chegaram a ele (Fernando), chegava aos outros órgãos que faziam parte dos grupos”, disse.
O coordenador de inteligência explicou que, dentro da SSP, não tinha o entendimento do que poderia ocorrer naquele fim de semana dos atos de 8 de janeiro, mesmo com as convocações de apoiadores de Jair Bolsonaro nas redes sociais, para a “tomada do Poder”. O coronel contou que, até sexta-feira (6/1), havia 250 a 300 pessoas e que esse quantitativo não seria suficiente para enquadrar a manifestação como “de risco”.
“Muito provavelmente (se os alertas fossem levados em contas para evitar os atos), mas eu não sei de que forma os tomadores de decisão entenderam os meus alertas. A inteligência produz conhecimento e ajuda no processo decisório. Quem decide não é a inteligência”, esclareceu. “A inteligência se presta à obrigação de informar ao decisor. Se essa informação chega ao decisor, é o mais importante. No caso da SSP, chegou”, finalizou.
Baixo risco
Os alertas dos dois atos, de 12 de dezembro e 8 de janeiro, eram considerados de baixo risco pela inteligência da SSP. O policial citou que, no caso do dia 12, a pasta monitorava essa manifestação, mas que os ânimos ficaram exaltados após a prisão do indígena José Acácio Serere Xavante, 42, efetuada pela Polícia Federal.
“Nós acompanhamos (na inteligência), desde o acampamento, até o deslocamento e o Palácio do Alvorada (…) Algumas pessoas somente executaram ações após a prisão (do indígena). Essas ações, verificamos pelo acompanhamento de inteligência, que elas eram totalmente descentralizadas. Algumas delas foram para posto de combustível, outras para a sede da PF. Não foi algo premeditado. A sequência dos atos foi espontânea”, analisou.
O coronel revelou que na SSP existe uma tabela para mapear o grau de potencial das manifestações. Dentro da inteligência, nos dias que antecederam os atos de 8 de janeiro, os atos golpistas eram considerados pela equipe como de risco “baixo”, por ter menos de mil pessoas.
Fonte: correio brasiliense