PCC movimentou R$ 6 bi com, motéis, imóveis, postos e franquias

Agentes da Receita Federal participam da Operação Spare desta quinta (25), em São Paulo – Foto: Divulgação/Receita Federal
A Receita Federal descobriu que o grupo criminoso envolvido no esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) era dono de 267 postos de combustíveis, 60 motéis, 98 lojas de franquia, além de empreendimentos imobiliários no Brasil.
Em quatro anos, de 2020 a 2024, essas empresas movimentaram quase R$ 6 bilhões, segundo a investigação. O empresário Flávio Silvério Siqueira, o Flavinho, é apontado como principal beneficiário.
O esquema do crime organizado usando motéis em nomes de laranjas foi revelado nesta quinta-feira (25) como parte da Operação Spare.
Essa operação é um desdobramento da Operação Carbono Oculto – que revelou como o PCC usa fintechs do sitema financeiro da Faria Lima. Segundo a Receita Federal, recursos de origem ilícita eram inseridos no setor formal por meio de empresas operacionais.
Os investigadores dizem que a relação entre esses empresários do setor de combustíveis, motéis, lojas e integrantes do PCC facilitava a lavagem do dinheiro do tráfico.
“Os esquemas acontecem de maneira bastante semelhante. No caso dos motéis, eles eram, eles são um setor que habitualmente trabalham muito com o dinheiro vivo, né? E eles precisam introduzir esse dinheiro na economia. O que nós percebemos é que a movimentação financeira desses motéis era bastante superior ao valor declarado por eles como receita”, afirmou Marcia Meng, superintendente da Receita Federal em São Paulo.
Artigos de luxo levantaram suspeita
A compra de artigos de luxo milionários, como iate, Lamborghini e helicópteros, ajudou a levantar a suspeita da Receita Federal e do Ministério Público paulista (MP-SP) sobre a movimentação financeira de uma rede de cerca de 60 motéis do PCC no estado de São Paulo.
Entre os bens adquiridos pelos motéis investigados estão:
- Iate de 23 metros, inicialmente comprado por um dos motéis e depois transferido a uma empresa de fachada, que também adquiriu um helicóptero;
- Helicóptero (modelo Augusta A109E) foi comprado em nome de um dos investigados;
- Carro esportivo Lamborghini Urus adquirido por empresa patrimonial;
- Terrenos onde estão localizados diversos motéis, avaliados em mais de R$ 20 milhões.
A aquisição desses bens acendeu o sinal de alerta porque, além de estar incompatível com a receita declarada, não fazia sentido para um motel comprar.
“No caso específico dos motéis, eles também acabavam adquirindo bens que não fazem muito sentido um motel adquirir. Eles compravam terrenos, imóveis, helicópteros. Bens de luxo que não estavam compatíveis com a receita deles.” — Márcia Meng, superintendente da Receita Federal em São Paulo
Segundo a Receita Federal, esses motéis movimentaram mais de R$ 450 milhões entre 2020 e 2024 em recursos financeiros, valores incompatíveis com o que era declarado às autoridades fiscais.
“Com os recursos obtidos por meio do esquema, os alvos adquiriram imóveis e bens de alto valor, diretamente ou por meio de empresas patrimoniais e de fachada. (…) Estima-se que os bens identificados representem apenas 10% do patrimônio real dos envolvidos”, disse a Receita Federal em comunicado.
De acordo com Meng, a movimentação financeira diferente da declarada como receita deixa evidente a origem ilegal. “Fica claro que ali não é apenas receita [do serviço de motel], mas ali entrava dinheiro ilegal como se fosse atividade empresarial. Mas não sendo”, disse.
Ela explicou que esse “é um modus operandi bastante normal”.
“Antigamente, eles [o crime organizado] não estavam inseridos na economia. Eles usavam empresas de fachada que não tinham atividade empresarial, e aparecia a receita sem atividade operacional. Hoje, isso está mais sofisticado. Eles usam empresas formais em vários tipos de atividades, mas a receita não dá conta da grande movimentação bancária que ele tem”, afirmou.
Investigação
A Operação Spare, realizada nesta quinta, mirou o esquema ilegal da facção nos setores de combustiveis e jogos de azar.
A investigação apontou que a rede de motéis contribuiu para o aumento patrimonial dos sócios parceiros do crime organizado, com a distribuição de R$ 45 milhões em lucros e dividendos.
Um dos motéis chegou a distribuir 64% da receita bruta declarada. Restaurantes localizados nos motéis, com CNPJs próprios, também integravam o esquema – um deles distribuiu R$ 1,7 milhão em lucros após registrar receita de R$ 6,8 milhões entre 2022 e 2023.
As operações imobiliárias realizadas pelos CNPJs de motéis vinculados a integrantes da organização criminosa também chamaram a atenção dos investigadores.
Um dos CNPJs adquiriu um imóvel de R$ 1,8 milhão em 2021; outro comprou um imóvel de R$ 5 milhões em 2023.
Além de motéis, o grupo operava lojas de franquias e até empreendimentos na construção civil.
Segundo a Receita Federal, durante as fiscalizações foram identificados 21 CNPJs ligados a 98 estabelecimentos relacionados a uma mesma franquia, todos em nome de alvos da operação. O nome da franquia não foi divulgado.
Chefe do esquema

O empresário Flávio Silvério Siqueira, conhecido como Flavinho, é o principal alvo da Operação Spare desta quinta-feira (25) – Foto: Reprodução/TV Globo
Segundo as investigações, o chefe do esquema de venda de combustíveis adulterados alvo da operação desta quinta-feira é o empresário Flávio Silvério Siqueira, conhecido como Flavinho, suspeito há anos de lavar dinheiro do crime organizado por meio justamente de postos de combustíveis, além de pessoas associadas a ele.
A Receita diz que identificou ao menos 267 postos ainda ativos que movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024, mas recolheram apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais – o equivalente a 0,1% do total movimentado, percentual muito abaixo da média do setor.
A Receita diz que também detectou um padrão de retificação de declarações de Imposto de Renda dos envolvidos.
São declarações antigas e recentes que eram retificadas no mesmo dia, com inclusão de altos valores na ficha de bens e direitos da declaração mais antiga – próxima à decadência – sem a correspondente inclusão de rendimentos e pagamento de imposto.
Isso configura mais uma tentativa de indicar origem para patrimônio adquirido com recursos sem origem e não tributados.
“Usando desse artifício, membros da família do principal alvo aumentaram seu patrimônio informado de forma irregular em cerca de R$ 120 milhões (valores atualizados)”, diz trecho de comunicado da Receita.
25 mandados
A Operação Spare cumpriu 25 mandados de busca e apreensão nas cidades de São Paulo (19 mandados), Santo André (2 mandados), Barueri, Bertioga, Campos do Jordão e Osasco.
Participaram da operação 64 servidores da Receita Federal e 28 do Ministério Público de São Paulo, por meio do Gaeco, além de representantes da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) e cerca de 100 policiais militares.
Durante as investigações, foram identificadas conexões entre os alvos da Spare e indivíduos envolvidos em outras ações de combate ao crime organizado, incluindo a própria Operação Carbono Oculto e a Operação Rei do Crime.
Entre os indícios estão transações comerciais e imobiliárias entre os investigados, uso compartilhado de helicópteros e reservas conjuntas de passagens para viagens internacionais.
A Receita Federal também diz que deflagrou outras ações com foco em combustíveis. Por meio de sua área aduaneira, realizou na última sexta-feira (19) a “Operação Cadeia de Carbono”, que resultou na apreensão de cargas de dois navios no Porto do Rio de Janeiro.
As mercadorias, compostas por petróleo e seus derivados, foram avaliadas em aproximadamente R$ 240 milhões e são suspeitas de terem sido importadas por empresas que não comprovaram a origem dos recursos utilizados para aquisição de bens de valor tão elevado.
No dia 24, a Instituição publicou portaria que intensifica o combate a fraudes em operações de importação.
fonte: g1