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Polêmica do final em Monza: como a FIA consegue errar em um acerto

Niels Wittich, diretor de provas do GP da Itália, acerta na aplicação do regulamento, mas erra na morosidade dos procedimentos após o abandono de Daniel Ricciardo a oito voltas da bandeirada

As decisões da direção de provas da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) voltaram aos holofotes após o safety car causado pelo abandono de Daniel Ricciardo no fim do GP da Itália, em Monza. Na minha análise da corrida aqui no Voando Baixo, optei por focar no aspecto esportivo, e apenas toquei marginalmente neste tema, que demandaria um pouco mais de espaço. Desta vez, o alemão Niels Wittich acertou na aplicação do regulamento esportivo – já que não havia tempo hábil para realinhar todos os carros e fazer a relargada na volta seguinte a partir do aviso de track clear (pista liberada), optou-se por terminar a corrida em bandeira amarela. Medida correta diante das circunstâncias. Mas a FIA sempre quebra paradigmas: a entidade consegue errar até quando acerta. É impressionante.

Max Verstappen recebe a bandeirada no GP da Itália após o fim da corrida com o safety car na pista — Foto: Mario Renzi/F1 via Getty Images

Tenho uma solução, dentro do regulamento esportivo, para evitar que as corridas terminem em bandeira amarela. Vou abordar isso mais para a frente neste texto. Por ora, temos de falar sobre os erros da direção de provas comandada por Wittich. Para começo de conversa: a morosidade no resgate do carro de Daniel Ricciardo foi algo impressionante. A oito voltas do fim, o australiano sofreu com um vazamento de óleo em sua McLaren. Com isso, o câmbio travou e ele não conseguiu levar o carro para uma daquelas agulhas laranjas em que o resgate pode ser feito mais rapidamente. Isso dificultou o trabalho dos fiscais de pista, que tiveram muitas dificuldades para mover o MCL36. Este foi o primeiro erro, que levou ao segundo: vendo a excessiva demora e a necessidade de um trator entrar na pista para remover o carro, Wittich tinha de ter acionado a bandeira vermelha. Reduziria o risco do resgate e ainda permitiria uma relargada para algumas voltas com ação na pista no fim.

“Ah, mas a FIA disse em comunicado que não era situação para bandeira vermelha”. Ora, alguém já viu a FIA assumir um erro? Mesmo quando assumiu, no incidente de Abu Dhabi de 2021, foi quase três meses depois do ocorrido e, ainda assim, entregando a cabeça de quem errou. Já vimos bandeiras vermelhas serem mostradas por muito menos. Quem não lembra do GP da Arábia Saudita de 2021, em que a corrida foi paralisada apenas após o resgate dos carros, sem a menor necessidade? Ou no Azerbaijão, também no ano passado, em que a vermelha foi mostrada por causa dos estouros de pneus e para evitar que a prova terminasse com o safety car? É a FIA, mais uma vez, tentando justificar o injustificável.

SC: procedimento correto, mas desastrado

O safety car comandado por Bernd Mäylander lidera o pelotão nas voltas finais do GP da Itália, em Monza — Foto: Clive Mason/Getty Images

E o procedimento do safety car? Bem, para escrever essa análise com a máxima precisão possível, fui conferir os dados de posicionamento na pista no aplicativo oficial na Fórmula 1 e no canal de dados da F1 TV. Vamos lá: a dupla bandeira amarela pelo abandono de Ricciardo foi acionada nos pontos de sinalização das duas Curvas di Lesmo às 16h10 locais (11h10 de Brasília). A corrida foi colocada em regime de safety car às 16h11 – exatos 1m15s depois do incidente. De acordo com o gráfico de posicionamento oficial, carro de segurança entrou na pista logo à frente de George Russell, que tinha acabado de fazer seu pit stop, e ficou andando lentamente à espera do líder. Verstappen e Leclerc já estavam à frente deste ponto e puderam entrar para fazer suas paradas.

Enquanto isso, o safety car foi informado que o líder da corrida era Verstappen. Então, o piloto Bernd Mäylander acendeu a luz verde para que os pilotos que estavam fora de posição e à frente do holandês o ultrapassassem. Isso aconteceu na 51ª volta, na reta logo antes da Variante Ascari. Detalhe: apenas os pilotos que estavam À FRENTE DO LÍDER poderiam ultrapassar o carro de segurança. O procedimento do alinhamento dos retardatários que estavam ATRÁS DE VERSTAPPEN só poderia ser realizado após a mensagem de track clear (pista liberada). Como o resgate do carro de Ricciardo demorou além do previsto, não houve tempo hábil para o realinhamento dos retardatários.

Max Verstappen faz sua segunda parada nos boxes antes do alinhamento atrás do safety car no fim — Foto: Dan Istitene/F1 via Getty Images
Max Verstappen faz sua segunda parada nos boxes antes do alinhamento atrás do safety car no fim — Foto: Dan Istitene/F1 via Getty Images

À luz do regulamento, todo esse procedimento do safety car foi corretamente realizado. O problema é que ele poderia ter sido feito com mais esmero, com menos desleixo. Qual foi a grande questão? No momento em que o carro de segurança foi acionado e entrou na pista, Verstappen e Leclerc, os líderes, já estavam na metade da volta, do outro lado do circuito. Em vez do SC aguardar o holandês antes da Curva Grande, logo depois da Variante del Rettifilo, Mäylander, seguindo ordens da direção de provas, deu uma volta lentamente na pista até que Verstappen e Leclerc alinhassem no pelotão. Como ambos fizeram um pit stop, esse procedimento foi extremamente lento. Se o SC estivesse esperando ambos após a saída dos boxes, uma volta em bandeira amarela seria economizada. Faltou atenção aos detalhes para Wittich.

É por isso que eu digo que a FIA consegue errar mesmo acertando. À luz do regulamento, todas as decisões foram corretas. Mas não foram as melhores se pensarmos em um bom final para a corrida – o que também é uma das responsabilidades da direção de prova. Dava para ter feito tudo da forma certa, seguindo as regras, e, mesmo assim, ser mais eficiente. Mas a FIA, em vez de olhar para suas próprias falhas, prefere dar de ombros e dizer que tudo foi feito da melhor forma. Ou seja: prefere brigar com as imagens. Prefere perpetuar a incompetência. E assim vamos. Cada vez pior. Com cada vez mais a FIA tentando roubar a cena. Puxar para si uma atenção que deveria estar com pilotos e equipes. Dentro da pista, não na direção de provas, não na sala dos comissários.

Charles Leclerc faz sua terceira parada nos boxes antes do alinhamento atrás do safety car no fim — Foto: Dan Mullan/Getty Images

Enfim, mais do mesmo.

E então, o que eu faria?

Trator teve de entrar na pista para recolher o carro da Daniel Ricciardo entre as duas Curvas di Lesmo — Foto: Reprodução/Twitter
Trator teve de entrar na pista para recolher o carro da Daniel Ricciardo entre as duas Curvas di Lesmo — Foto: Reprodução/Twitter

Para evitar um fim de corrida com safety car, o que acho bem válido pensando no espetáculo, uma medida simples poderia ter sido adotada. Assim que os fiscais de pista reportassem que o carro de Ricciardo estava com o câmbio travado, a direção de provas teria de acionar a bandeira vermelha. Havia motivo para isso: um trator teve de entrar na pista para recolher a McLaren enquanto os carros passavam. Era uma situação temerária em termos de segurança e justificaria a paralisação da corrida.

Ainda assim, de acordo com o regulamento esportivo, o acionamento da bandeira vermelha é prerrogativa do diretor de provas, que pode fazê-lo a qualquer momento. Ainda assim, sou a favor de se colocar no regulamento a situação de bandeira vermelha para evitar fins de corrida com o safety car na pista. Afinal, a Fórmula 1 e o automobilismo não têm que se preocupar apenas com o lado esportivo: temos também o entretenimento e o negócio caminhando paralelamente. O fim da corrida de Monza foi correto esportivamente, mas foi ruim para o entretenimento e o negócio. Gerou uma onda de reclamações dos fãs da categoria. Seria mais do que justificável resolver este problema. E rapidamente.

O acionamento da bandeira vermelha pode evitar fins de corrida com o safety car na pista, como o de Monza — Foto: Lars Baron/Getty Images
O acionamento da bandeira vermelha pode evitar fins de corrida com o safety car na pista, como o de Monza — Foto: Lars Baron/Getty Images

Fonte: ge

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