Economia

Por que a Faria Lima resiste a Haddad no comando das finanças do governo

Tomando pelo valor de face o que o entorno do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva está dizendo, Fernando Haddad deverá ser anunciado como ministro da Fazenda nesta sexta-feira (9). O ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação enfrenta forte resistência entre os agentes econômicos e na indústria financeira.

A indústria financeira preferia um técnico não petista no comando da economia, mas havia nisso mais desejo do que análise da realidade. Lula tem sinalizado desde o ano passado que prefere um político no Ministério da Fazenda para negociar com o Congresso, dada a difícil situação das contas públicas no pós-Bolsonaro.

Isso acontece porque grande parte da Faria Lima aposta que, com Haddad no comando da pasta, o governo do PT deve expandir o gasto público e, com isso, provocar um longo ciclo de juros altos no Brasil. Com altas taxas de juros, o risco dos demais investimentos sobe. Para que ficar olhando o sobe e desce da Bolsa se um título de renda fixa devolve vários pontos percentuais acima da inflação por ano?

A maioria dos gestores prevê um período das ações andando de lado ou tendendo para a baixa. Há duas razões para isso: o juro americano em alta e os fatores fiscais domésticos.

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O juro americano é o grande vetor do movimento “bearish” (viés de baixa) dos ativos globais. Se ele sobe, mais gente aloca mais capital nos títulos do Tesouro americano, provocando queda nos demais ativos de renda variável nos EUA e ao redor do mundo. O fluxo de investimento externo é importante no Brasil.

  • O Fed, o banco central americano, vem promovendo a maior alta do juro desde os anos 1980, quando os EUA também enfrentaram um ambiente de inflação crescente. Como no passado, isso tem impacto no restante dos ativos.
  • Em 2022, as cinco grandes companhias de tecnologia perderam 40% do seu valor.
  • O S&P 500, um índice de referência das ações americanas, encolheu 25% neste ano.

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No cenário doméstico, a perspectiva é de um período de aumento do gasto público. Toda vez que isso acontece, o governo precisa emitir mais dívida para conseguir fechar as contas.

Quanto mais sobe a relação entre a dívida pública e o PIB, mais o mercado exige prêmios maiores para o risco. Ou seja, quanto mais o governo gasta, mais o juro sobe. Com isso, mais capital deixa ativos de renda variável, como ações e fundos imobiliários. A relação dívida/PIB deve fechar o ano na casa dos 76%.

Desde o dia seguinte da vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro, o valor dos ativos da Bolsa brasileira encolheu mais de 7%. O Ibovespa, índice de referência, perdeu 8.440 pontos.

Na quarta (7), o Senado aprovou a PEC de Transição, que amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões por dois anos para bancar as parcelas de R$ 600 do Bolsa Família, com adicional de R$ 150 por criança abaixo de seis anos.

“Havia um setor do mercado que acreditava que o Congresso seria uma barreira contra esse waiver [licença de gasto extra], mas eu nunca acreditei que ele cumpriria esse papel. A negociação da PEC está mais relacionada a influência e recursos na próxima administração”, disse Christopher Garman, diretor da consultoria de risco Eurasia para Américas. Para ele, a Câmara deve oferecer maior resistência ao texto da PEC, mas deve aprová-lo.

Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (governo FHC) e agora na gestora Rio Bravo, acredita que a negociação da PEC enfraquece o futuro ministro da Fazenda (sem citá-lo pelo nome): “Tudo isso está sendo costurado sem que o ministro da Fazenda seja mais que uma testemunha dos acordos.”

Também Franco, na carta mensal da Rio Bravo: “Parece claro também que ainda que pertença à cota do Presidente recém-eleito o ministério da Fazenda, e este vai ser escolhido segundo uma lógica parlamentarista. Por aí se compreende o abandono tácito e incontroverso do conceito de ‘Posto Ipiranga’, vale dizer, o retorno do desenho clássico dos ministérios econômicos.”

POR QUE LULA GOSTA TANTO DE HADDAD

Não é razoável dizer que Haddad seja credor de Lula, já que foi o ex-presidente que impôs o nome do desconhecido ex-ministro da Educação como candidato a prefeito de São Paulo, em 2012. Mas Haddad tem acumulado créditos com Lula.

Haddad assumiu e tocou a candidatura presidencial em 2018, quando Lula estava preso. Em 2022, Haddad conseguiu 44% dos votos no segundo turno, a maior votação de um petista para o governo de São Paulo. O desempenho do PT em SP foi importante para ajudar Lula a vencer a disputa nacional.

Antes do início da campanha, Haddad foi um dos emissários de Lula para conversar reservadamente com o empresariado em São Paulo. A mensagem nestes encontros era que a volta do ex-presidente ao governo não traria irresponsabilidade com as contas públicas. Uma parcela destes empresários votou em Simone Tebet (MDB) no primeiro turno e aderiu ao petista no segundo.

Este papel na campanha foi dividido com outros petistas, como Alexandre Padilha e Aloizio Mercadante. Em alguns casos, Lula foi ele próprio conversar com atores importantes do mercado, como Guilherme Benchimol (XP), André Esteves (BTG Pactual) e Luiz Carlos Trabuco (Bradesco).

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