Reabertura da China pode impulsionar economia global, mas também traz desafios
A rápida reabertura da China após quase três anos de rígidos controles de coronavírus pode fornecer um impulso muito necessário ao crescimento econômico global, mas também pode alimentar a inflação, justamente quando os preços mostram sinais de queda.
O renascimento da segunda maior economia do mundo – e maior consumidor de comodities – ameaça elevar os preços globais de combustíveis, metais industriais e alimentos neste ano.
Desde o início de janeiro, os preços do cobre, alumínio e zinco tiveram seu melhor início de ano em 11 anos, subindo em média 13%, disseram analistas do Deutsche Bank, citando dados da London Metal Exchange. O estanho, amplamente utilizado para fazer eletrônicos, subiu 30%, seu maior aumento em 32 anos.
“Há uma enorme quantidade de demanda reprimida que esperamos voltar aos mercados, especificamente após o Ano Novo Chinês”, falou Nicky Shiels, chefe de estratégia de metais da trading de metais preciosos MKS Pamp. “Os mercados se recuperaram em antecipação a isso”.
Não são apenas as commodities que estão subindo na esperança de recuperação da China. As ações do índice MSCI China subiram 14% desde o início das negociações deste ano. O índice Golden Dragon China da Nasdaq – que acompanha as empresas chinesas listadas nos Estados Unidos – subiu 19% no mesmo período.
Já há sinais de que a economia está se recuperando. Bernard Arnault, executivo-chefe do grupo de varejo de luxo LVMH, disse a analistas na quinta-feira que a recuperação dos visitantes das lojas em Macau, onde os turistas chineses agora podem viajar, foi “espetacular”.
Desde o mês passado, o governo chinês vem desmantelando rapidamente sua rígida política de Covid-zero, após uma onda de protestos populares contra as restrições. A velocidade da reabertura, bem como as indicações de que as infecções já podem ter atingido o pico, foram surpreendentes, disseram analistas.
Mas metais como cobre e alumínio “não são uma parte muito significativa da cesta geral da inflação”, aponta Daniel Major, analista de metais e mineração do UBS.
No entanto, se os preços globais de alimentos e energia começarem a subir novamente, isso poderá se refletir em preços mais altos ao consumidor.
A reabertura da China pode aumentar a demanda por produtos agrícolas, enquanto o mundo ainda enfrenta a pior crise alimentar da história moderna. Os preços futuros do trigo, um alimento básico, ainda estão 58% mais altos do que em meados de 2020, quando os preços começaram a subir constantemente.
As importações chinesas de soja, utilizada principalmente para alimentar o gado, aumentaram 18% em dezembro em relação ao ano anterior, possivelmente porque os compradores anteciparam uma recuperação na demanda em restaurantes, disse Bill Weatherburn, economista de commodities da Capital Economics, em nota anterior este mês.
Aumento na demanda por energia
A reabertura da China também deve aumentar a demanda por petróleo. A Agência Internacional de Energia disse em um relatório na semana passada que a demanda global pode atingir uma alta histórica de 101,7 milhões de barris por dia este ano, com a China respondendo por quase metade desse aumento.
Caroline Bain, economista-chefe de commodities da Capital Economics, falou que espera que os preços do petróleo subam ainda este ano, à medida que as viagens e o consumo aumentam.
O grupo de pesquisa agora espera que o preço do barril de petróleo Brent, a referência global do petróleo, suba para US$ 95 o barril até o final do ano, acima da estimativa anterior de US$ 85. Os preços da gasolina nos Estados Unidos já subiram 40 centavos de dólar por galão em um mês, em parte devido ao aumento dos preços do petróleo bruto desde o início de dezembro.
O aumento dos preços do petróleo pode ajudar a aumentar a inflação global – ou pelo menos mantê-la elevada – justamente quando os aumentos dos preços ao consumidor mostram sinais de moderação, contendo as esperanças de empresas e investidores de que os bancos centrais do mundo possam em breve parar de aumentar as taxas de juros.
Os mercados esperam que o Federal Reserve dos EUA aumente o custo dos empréstimos em 25 pontos-base em sua reunião da próxima semana, um aumento mais modesto do que o de 50 pontos-base aprovado no mês passado.
O apetite da China por energia pode ser especialmente difícil para a Europa, já que o continente tenta reabastecer seus estoques de gás natural antes do próximo inverno com apenas uma pequena fração das importações russas das quais dependia.
Os preços de referência do gás natural na Europa caíram 84% desde que atingiram o recorde histórico de 343 euros (US$ 373) por megawatt/hora em agosto. Essa tendência pode começar a se reverter se a China competir com a Europa por um número fixo de cargas de GNL dos Estados Unidos e do Catar, os maiores fornecedores do bloco.
“A quantidade de GNL que [a China] comprará do resto do mundo será maior do que vimos”, disse Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, em um painel no Fórum Econômico Mundial na semana passada.
“Haverá mais pressão inflacionária decorrente dessa demanda adicional de commodities e energia em particular”, disse ela, acrescentando que o BCE planeja “manter o curso” de aumentar as taxas de juros para ajudar a domar a inflação.
Exagero?
As expectativas de grandes saltos de preços em geral podem ser exageradas, no entanto.
A demanda por aço não aumentará até a segunda metade do ano, segundo a Bain, já que a atividade no setor imobiliário da China, que é um grande consumidor do metal, ainda está deprimida.
“Não estou convencido de que a demanda da China vá aumentar os preços [do gás e da eletricidade] tanto quanto as pessoas talvez pensem”, disse Michael Hewsom, analista-chefe de mercado da CMC Markets.
Hewsom acrescentou que China e Índia poderiam importar gás natural russo com desconto, liberando cargas de outros fornecedores, como os Estados Unidos, para irem para a Europa.
Um aumento na demanda chinesa por energia, metais e alimentos também deve “ser parcialmente compensado pela fraca demanda por exportações chinesas de produtos manufaturados nas economias desenvolvidas”, destaca a Capital Economics em nota no início deste mês.
A recuperação da China será provavelmente impulsionada pelo “lazer [e] consumo doméstico”, falou Major do UBS.
Isso significa que os preços do aço e do minério de ferro, metais comumente usados na indústria pesada – têm menos probabilidade de obter grandes ganhos em comparação com o cobre e o alumínio, encontrados em uma variedade de produtos domésticos.
Ben May, diretor de pesquisa macro global da Oxford Economics, disse em uma nota na sexta-feira que qualquer aumento na inflação global por trás do renascimento da China pode ser “menor do que muitas pessoas temem”.
Isso ocorre em parte porque a China está reabrindo por conta própria, acrescentou ele, ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, que reduziram suas restrições pandêmicas quase ao mesmo tempo, criando uma competição acirrada por produtos.