Economia

Reforma busca o impacto do Plano Real, mas exceções podem por tudo a perder

15.mar.1994 – Loja oferece crediário em URV- Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

A simplificação dos impostos cobrados no Brasil após a reforma tributária tem o potencial de mudar o país como fez o Plano Real, projetam especialistas e até o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. As exceções para diversos setores da economia, no entanto, podem tornar a reforma menos eficiente do que se espera.

A reforma criou o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) para simplificar a tributação brasileira. O novo imposto vai substituir o PIS, COFINS, PASEP e IPI pela Contribuição Sobre Bens e Serviço, o CBS, que será recolhido pela União. Já estados e municípios trocarão o ICMS e o ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços, o IBS. Somadas, as aliquotas formam o IVA, de 26,5%.

Haddad já comparou a reforma ao Plano Real, que entrou em vigor em 1994. “Eu compararia a reforma tributária a eventos como o Real, às reservas cambiais e à redução da dívida pública na primeira década dos anos de 2000”, afirmou o ministro em abril. “Eu penso que a reforma tributária vai reconfigurar o Brasil”, afirmou.

A necessidade de uma reforma tributária é discutida no Brasil há mais de 30 anos. A própria aprovação do Real previa a necessidade de uma reforma que simplificasse os impostos. O assunto acabou adiado ao longo dos anos e só foi votado na semana passada. Agora, passará pelo Senado antes de entrar em vigor aos poucos, entre 2026 e 2033.

Um tributarista que participou das discussões da reforma em Brasília concorda com a comparação. “Os efeitos da reforma serão semelhantes aos do Plano Real”, disse ao UOL Eduardo Fleury, da FCR Law. “A gente não sente, mas pra quem viveu a hiperinflação… Aquilo era um inferno. A mudança com a reforma tributária será igual a essa.”

Reforma tributária incluiu a carne na cesta básica, zerando impostos – Foto: Antônio More/Arquivo/Gazeta do Povo

“É a reforma mais importante desde o Real.” Quem afirma é o professor de economia da USP, Luciano Nakabashi. “É uma das reformas mais importantes dos últimos anos, das ultimas décadas. Desde o Plano Real, que foi um marco importantíssimo na economia”, disse ele à Radio USP.

O IVA vai simplificar o recolhimento dos impostos, melhorando a vida do governo, das empresas e do consumidor. “Hoje temos 27 estados que cobram seu próprio ICMS com regras variadas”, diz Fleury. “Cada município cobra ISS, são 5.000 cidades com regramento próprio.”

As empresas terão menos burocracia. Ele explica que hoje as empresas contam com um departamento fiscal próprio, “gigante, só pra cuidar de ICMS”. “Elas vão gastar menos para administrar seus tributos”, diz Fleury. A burocracia também vai cair. “Algumas precisam montar um estabelecimento em outro estado para trabalhar com o imposto local. Isso tudo vai acabar.”

O professor da USP concorda. “No Brasil, alguns impostos incidem sobre cada etapa da cadeia produtiva”, diz Nakabashi. “Agora os tributos vão ficar homogêneos entre estados e municípios.”

Governo investirá melhor. “A administração pública visualizará melhor a arrecadação. A organização será maior, permitindo investimentos mais bem alocados”, diz Fleury.

Até a corrupção deve cair. “Quanto mais simples for o sistema tributário a cumprir, menor a área cinzenta, onde se instala a corrupção”, diz Fleury. “Mesmo se não houvesse corrupção, existe o gasto da burocracia para fazer a coisa andar.”

A reforma tributária criou tantas exceções que a comparação com o Real pode ser prematura. “Se ela efetivamente simplificasse o sistema tributário e desse segurança aos investidores, nós poderíamos ter esse efeito [do Real]”, disse a professora do Insper Ana Carolina Monguilod, da CSMV Advogados. “A reforma já nasce com um número imenso de exceções, regimes específicos, alíquotas reduzidas, isenções. Então, ela não vai entregar essa simplicidade que foi prometida lá atrás.”

Dentre as exceções está a inclusão de carnes na cesta básica, sem imposto. A redução de 60% do IVA para medicamentos e de 40% para incorporadoras e construtoras é outra. A exceção mais controversa, no entanto, foi a exclusão de armas e alimentos ultraprocessados da cobrança do IS (Imposto Seletivo), criado para taxar produtos que prejudicam a saúde e o meio ambiente.

A complexidade do sistema tributário pode frustrar as comparações com o Real. “Acho que a reforma não vai entregar um efeito minimamente parecido com o que tivemos no Real”, diz a professora. “Não sou otimista. Se formos sentir algum efeito positivo, vai ser no longo prazo, lá na frente, e com a possibilidade de o sistema se degenerar ainda mais no futuro.”

Sobre a expectativa de a reforma ter um efeito parecido com o Plano Real, a gente tem que dar um passinho para trás. Ana Carolina Monguilod, do Insper

fonte: uol

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