Sem clareza sobre sua duração, pré-campanha contém varias proibições
Em ano eleitoral, políticos que vão tentar um cargo nas eleições de outubro já estão espertos para não sofrer nenhum deslize que possa, de alguma forma, prejudicar sua campanha. Até chegar o dia 16 de agosto, data em que comícios, distribuição de material gráfico, caminhadas ou propagandas na internet passam a ser permitidos, os chamados pré-candidatos se mobilizam em reuniões com lideranças políticas e financiadores de campanha como uma espécie de “treino” para o que lhes aguardam – afinal, o que não pode na campanha também não pode na pré-campanha.
Ao Jornal Opção, o advogado eleitoral Matheus Lins Schimuneck explica que a pré-campanha pode ser entendida como o período em que o cidadão, desde que esteja filiado a um partido político, apresenta sua pretensão em concorrer a um cargo público, desde que não haja pedido de voto. Segundo o especialista, “não há definição do momento em que se inicia a pré-campanha, diferentemente da campanha, que inicia a partir do dia 16 de agosto, momento em que se permite o pedido de votos”, afirma.
Como há uma diferença temporal sobre os dois momentos eleitorais, Schimuneck diz que, de uma maneira geral, na pré-campanha “pode-se exaltar as qualidades pessoais do pré-candidato, mencionar o desejo da candidatura, divulgar atos parlamentares e debates legislativos, divulgar o posicionamento pessoal sobre questões políticas, participar de entrevistas, programas, encontros ou debates na mídia, além de arrecadar previamente recursos, segundo a legislação”, com a ressalva de que “todos esses atos são permitidos desde que não haja pedido explícito de votos”.
Além de não pedir votos, o advogado destaca que, desde 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fixou alguns critérios sobre os limites da propaganda na pré-campanha e passou a vedar palavras consideradas “mágicas” que, apesar de não pedirem explicitamente voto, possuem conotação eleitoral, como “aperte o número”, “apoie”, “vamos eleger”, “derrote”, “rejeite”, “conto com seu apoio”, “quero o seu apoio”. “Segundo precedentes dos tribunais, para que o pedido de voto seja explícito, não é necessário que seja feito de forma literal, bastando que a mensagem esteja suficientemente clara para ser entendida por seus destinatários”, diz.
O festival Lollapalooza, realizado no mês de março, em São Paulo, entrou na mídia, não só pelas atrações dos shows, mas principalmente por acender o debate eleitoral para a Presidência da República, fazendo menção ao pré-candidato do PL, Jair Bolsonaro, e a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. A artista Pabllo Vittar gritou “Fora Bolsonaro” e depois exibiu uma toalha com o rosto estampado de Lula.
Vitor Hugo, também advogado eleitoral, analisa o caso como uma “propaganda extemporânea”, ou seja, uma irregularidade. “Não estamos em época de fazer isso. Ela [Pabllo] falou abertamente sobre as eleições de 2022, falou mal do Bolsonaro e exaltou Lula. Ao falar abertamente ‘não vote nesse e vote naquele’, você faz uma campanha fora de época e, aí, ocorreu ao evento, juntamente com ela, uma multa por isso”, disse.
Outro caso visto por Vitor Hugo como uma propaganda extemporânea é o da cantora Ludmilla, que pediu um “L” com os dedos no evento Virada Cultural, no final de maio. O advogado explica que “mesmo ela dizendo que não era o L de Lula, mas sim do seu próprio nome, teve uma linha defensiva”.
Já o show de Daniela Mercury, em São Paulo (SP), no evento de 1º de maio, em comemoração ao Dia do Trabalhador, em que a artista declarou apoio explícito a Lula, é entendido pelo especialista como um “showmício”. “Antigamente, quando você tinha alguns shows banhados por partidos políticos e candidatos, nos quais os cidadãos comiam e bebiam de graça, hoje isso não pode mais acontecer. Não pode ter verba de partido ou candidato empregada nesse tipo de coisa, ainda mais nessa altura do campeonato. Não se pode fazer menção ao pleito eleitoral de 2022 pedindo voto e nem mesmo fazer propaganda negativa de um outro político dizendo, ‘olha, este é péssimo. Vote naquele’, não é época para isso. Somente depois do dia 15 de agosto”, diz.
Vitor explica que os artistas possuem uma regulamentação específica para as eleições. “Não pode ter showmício, dinheiro de candidato ou partido para aglomeração. Se o artista quiser, por conta própria, fazer show e arrecadar os fundos desse evento e destinar ao candidato, ele pode, mas precisa ser algo espontâneo. É preciso lembrar que não pode, no momento, de forma alguma, pedir voto. Exaltar as qualidades e o que o currículo tem a oferecer, está liberado”, diz.
Mais um caso que entrou na mira das investigações, foi a pizzaria “Autêntica Pizza da Lambreta”, em João Pessoa, capital da Paraíba. O estabelecimento está sendo investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) por uma ação publicitária que pretendia engajar os jovens a tirar o título de eleitor. Os adolescentes com idade entre 16 e 18 anos e que possuam o documento ou já deram entrada no pedido poderiam ir até o estabelecimento fazer a retirada de uma pizza. Para ganhar o brinde, bastava apresentar o título de eleitor ou o comprovante de requerimento. Na ocasião, o folder de propaganda possuía uma estrela na arte e, segundo o dono do estabelecimento, alegaram ser a estrela do PT e que isso seria uma forma de direcionar votos para o Lula.
O estabelecimento inovou também em seu cardápio de pizzas com o sabor “paunomito”, fazendo referência ao apelido de Bolsonaro “mito” e também a propagandas que fazem alusão política, como a “quarta da rachadinha”, para o único dia da semana em que são vendidas pizzas meio a meio e ao sabor de pizza “patriota”, feito por uma massa de mentira que seria feita de madeira extraída ilegalmente na Amazônia, farinha do avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e molho de tomate com agrotóxicos liberados pelo governo. Além disso, a pizzaria já disponibilizou cupom promocional com o código “#ForaBolsonaro”.
Para o analista do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, Alexandre Azevedo, a princípio, isso não configura nenhum ilícito eleitoral. “De início, essa situação em colocar como cardápio o sabor “paunomito”, fazendo referência a uma propaganda negativa de Bolsonaro, é apenas um estranho eleitoral. Agora, se entendermos isso como o “pau” no mito sendo um ato de violência, de querer bater em Bolsonaro, aí sim seria uma situação de crime eleitoral, pois seria uma propaganda de atos violentos”, pontua.
Em um papel fiscalizador, os cidadãos, com o direito e o dever de votar, também pode agir como vigilantes do processo eleitoral, podendo denunciar irregularidades a partir de um aplicativo do próprio TSE, o Pardal. O “app” tem o objetivo de facilitar o trabalho de apuração por parte dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e do Ministério Público Eleitoral (MPE), que podem contar com os cidadãos para atuar como fiscais da eleição no combate à corrupção eleitoral. É importante ressaltar que somente os TREs, o MPE e os partidos políticos têm legitimidade para ajuizar uma ação no período de pré-campanha. Matheus, o advogado eleitoral, explica que a competência para julgamento da ação dependerá de qual cargo o pré-candidato anuncia que disputará. “Então, a competência para julgamento é do TSE em caso de representação contra pré-candidatos à presidência da República. O TRE da respectiva unidade da federação para pré-candidatos a cargos federais, estaduais e distritais. E para cargos municipais, os juízes eleitorais”, diz.
Em geral, a punição é a retirada imediata da propaganda irregular e multa, cujo valor dependerá da maneira pelo qual o ilícito foi cometido. Segundo a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), caso se entenda que um pré-candidato realizou propaganda por meio de outdoor a multa varia de R$ 5 mil a R$ 15 mil, além da retirada da propaganda. Porém, se o pré-candidato pediu voto, impõe-se a multa no valor de R$ 5 mil a R$ 25 mil. A depender do ilícito cometido, não se pode ignorar também eventual representação para apurar captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, sendo que, em caso de deferimento, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado, além da declaração de inelegibilidade do representado, resultando com a sanção de inelegibilidade por 8 anos e ajuizamento de eventual ação penal.
Fonte: Opção