Brasileiro que viveu nas ruas do ABC vira referência mundial em IA

O empresário Evandro Barros – Foto: Rui Dantas/UOL
A vida do empresário Evandro Barros, 48 anos, daria um roteiro de cinema. Ele é um bem-sucedido empresário na área de inteligência artificial e robótica, e em duas ocasiões, em 2021 e 23, foi apontado pela prestigiada revista americana Technology Innovators como um dos 50 maiores líderes entre as empresas mundiais de IA. No entanto, a vida nem sempre lhe sorriu: se agora é um empreendedor premiado, ele já esteve em situação de rua quando criança.
Barros fala com orgulho de onde chegou, mas não se esquece dos momentos difíceis pelos quais passou. Durante a infância, viveu na comunidade de Ferrazópolis, em São Bernardo do Campo (SP). Ainda pequeno, foi abandonado pelo pai, e então a mãe dele, Clarice, que trabalhava como doméstica e não era alfabetizada, passou a sustentar sozinha o menino Evandro e seus dois irmãos mais velhos.
Aos 5 anos, uma tragédia quase o matou, quando o barraco da família foi soterrado por um deslizamento ocorrido na favela. Sem casa e sem ter para onde ir, a família de Clarice passou a viver nas ruas do ABC paulista. Essa situação perdurou por mais de um ano, até que, para a sorte dos meninos, ela conheceu o pedreiro Sebastião Sérgio, com quem veio a construir uma nova família.
“Ele foi a pessoa que me criou. Um verdadeiro pai para mim”, lembra Evandro Barros. “Passamos a ter uma casa, mas, como as condições de vida eram muito modestas, mudávamos constantemente”, relatou. Numa dessas mudanças, sua família foi parar em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, onde o padrasto chegou a trabalhar como cortador de cana para as usinas da região.
Educação muda a vida
A radical mudança de vida nestes anos, conta Barros, aconteceu por conta da educação. “Apesar de nenhum dos meus pais terem estudo, eles me incentivaram muito a me dedicar na escola. Sempre tive bastante facilidade de aprendizagem e era um assíduo frequentador de bibliotecas”, comenta o empresário, que hoje vive na região de Toronto, no Canadá.
Barros concluiu o atual Ensino Médio na Escola Estadual Joaquim Batista, em Jaboticabal, e em seguida conseguiu ingressar no curso de História na Unesp, em Assis (SP). A universidade era pública e portanto gratuita, mas mesmo assim exigia sacrifícios – como estar a quatro horas de viagem da casa da família.
Para conseguir se sustentar, fez valer pela primeira vez seu talento empreendedor: autodidata no violão, Barros abriu uma escola de música em sua nova cidade, onde chegou a ter mais de 30 alunos. Para complementar a renda, nos fins de semana ele tocava em bares, bailes, aniversários e festas de casamento. “Cheguei a tocar até nas bandas de apoio de duplas sertanejas.”
Depois de se formar, em 1998, Barros conseguiu uma bolsa para estudar Arranjo Musical no Bradford College, no Reino Unido. Chegou lá em um momento tenso: 12 de setembro de 2001, um dia após o atentado às Torres Gêmeas nos EUA, quando todas as empresas aéreas e países no mundo estavam eriçados com receio de ataques terroristas. Na Inglaterra, também se virou, trabalhando em hotéis para pagar a moradia na universidade. “O curso durou um ano e eu não comprava nem uma Coca-Cola na rua para poder me bancar”, relembra.
Voltou ao Brasil no início de 2003 e, por um tempo, continuou dando aulas de música. Pouco depois, conheceu Elaine, com quem se casou em 2009. Ela notou que Barros tinha particular interesse em fóruns on-line sobre o mercado financeiro, e um dia, em 2010, apareceu em casa com um panfleto de um escritório de investimentos de Araraquara que procurava profissionais para atuar nesse segmento. Recomendou ao marido que tentasse a vaga. Ele ouviu o conselho, e conseguiu o novo emprego.
Um ano depois, já estava em outro escritório, representante da corretora XP na região. Correu atrás de certificações como a CPA-10, da Anbima, e assim virou operador da Bolsa de São Paulo, a atual B3.
Sua criatividade e as habilidades interpessoais vieram novamente a calhar na nova etapa como consultor de investimentos. Barros foi conquistando uma enormidade de clientes na endinheirada região de Ribeirão Preto e em 2014 sua carreira teve uma nova reviravolta: ele decidiu trabalhar em um escritório especializado em fusões e aquisições (M&A), avaliando empresas.
Incubadora
Em 2017, Barros quis criar um programa de software para fazer a gestão de informações de seus clientes em M&A. Foi assim que conheceu seus atuais sócios, Celso Azevedo, Ronan Rocha e Marcelo Piovan, e com eles fundou a Data H, uma empresa incubadora de soluções de tecnologia.
“A empresa ‘pivotou’ (mudou a estratégia) dos negócios, deixando de ser uma fábrica de software, para se tornar uma escola de inteligência artificial”, afirma, de Ribeirão Preto, Celso Azevedo, um dos sócios na Data H. Hoje, a Data H tem mais de 100 profissionais, espalhados pelo mundo. Muitos ex-alunos acabaram sendo incorporados às novas empresas que o grupo foi desenvolvendo ao longo dos anos.
Desde que se juntou, o quarteto já fundou a Synkar, uma empresa de robótica que desenvolveu um produto para a gigante de entregas iFood: trata-se de um robô autônomo capaz de carregar até 35 quilos e que é ideal para transportar objetos ou refeições em ambientes fechados. Hoje, alguns dos protótipos do robô já podem ser vistos no Shopping Iguatemi de Ribeirão Preto, realizando entregas para motoboys. O trabalho dessas máquinas desafoga as praças de alimentação, uma vez que, sozinhas, elas levam os pedidos dos clientes do iFood até uma área de docas do shopping. A iFood gostou tanto da inovação que comprou um percentual não-revelado da companhia.

Robô-entregador criado pela empresa Synkar para o iFood – Foto: Rui Dantas/UOL
“O uso do robô da Synkar agiliza o fluxo, organiza o processo e melhora a experiência de todos os envolvidos, sem substituir o trabalho humano”, descreve Thiago Viana, Diretor de Inovação na iFood, agora sócia da Synkar. “Apostar em uma tecnologia nacional é uma forma de acelerar a inovação e gerar impacto direto para restaurantes, entregadores e consumidores.”
“O nosso robô usa IA e dados da nuvem para traçar o caminho, pois é capaz de se deslocar, reconhecendo o local por placas ou janelas e desviando dos humanos. Ele é capaz até de fazer reconhecimento facial”, explica o CEO da Synkar, Lucas Assis. “Se um humano quiser pará-lo, a máquina consegue pedir ajuda.”
A Data H, cujo faturamento chega a mais de R$ 10 milhões anualmente, também incubou a NoLeak, uma empresa que faz monitoramento e segurança por meio de um software que também usa IA. “Além disso, também fundamos a startup Data Life, especializada no diagnóstico de endometriose, que tem um campo promissor para tratamento”, afirma Azevedo. Por meio de algoritmos, a Data Life analisa os exames de ressonância magnética da pélvis feminina e oferece diagnósticos rápidos e precisos.
“Outra empresa que ainda estamos criando estabelece um framework para que a inteligência artificial consiga criar os seus próprios agentes”, relata Barros. Em outras palavras, a IA vai criar soluções, mesmo sem ordens dos humanos, como se ficasse grávida. É a chamada autogênese da IA.
O CEO da Nvidia no Brasil, Márcio Aguiar, acredita que a visão futurística de Evandro Barros e seus sócios está perfeitamente alinhada ao ecossistema da superempresa americana de chips no mercado nacional. “Eles foram dos primeiros na América Latina a dar aplicabilidade, em um projeto de robótica, ao superchip da Nvidia, em que praticamente colocamos um computador dentro de pequenos aparelhos”, diz. “Sempre vi no Evandro uma pessoa com um lado humano muito bom, que nunca centralizou as decisões, dando oportunidade para outras pessoas participarem dos projetos.”
Projeção internacional
Após a premiação da Technology Innovators, veio o reconhecimento internacional. Uma agência de desenvolvimento econômico da Grande Toronto o convidou a se mudar para lá, e assim Barros foi viver no Canadá com a esposa, a filha e dona Clarice, sua mãe. “Se eu não tivesse me mudado para cá, acredito que não teríamos conseguido desenvolver o robô da Synkar, já que aqui existe todo um ecossistema para este tipo de inovação que infelizmente ainda não existe no Brasil”, diz Barros.
“Eu me mantenho realista: minhas vitórias são sofridas, mas me dão muita satisfação” – Evandro Barros, empresário.
fonte: uol